30.8.14

hip hop & esqueleto cafeinado

[Voz ativa | 1992]

Sob influência de Tim Maia (a partir do título do grupo) e Jorge Ben (de quem gravariam "Jorge da Capadócia"), dois mestres da negritude afro-soul brasileira, o grupo Racionais MC's lançou os fundamentos do rap no país do carnaval. Ao mesmo tempo, mudou a interlocução da luta de classes, expressa desde as primeiras canções de protesto da bossa nova. Algo já registrado na era da malandragem do samba de morro (e depois com Bezerra da Silva e seus fornecedores da periferia): representantes do povo voltavam a falar de seus desejos e reivindicações, sem intermediários de classe média.

Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay evitaram eufemismos. Com disparos poéticos certeiros e, muitas vezes, de narrativa cinematográfica, enfiaram os dedos nas chagas abertas desta nação campeã mundial de desigualdades sociais. Alguns temas: "Diário de um detento", "Fórmula mágica da paz" (Sobrevivendo no inferno), "Pânico na zona sul", "Periferia é periferia (em qualquer lugar)", Racistas otários", "Beco sem saída", "Homem na estrada", "Vida loka", "Tempos difíceis", "Capítulo 4, versículo 3", "Artigo 157", "Voz ativa" (Escolha o seu caminho), "Qual mentira vou acreditar", "Tô ouvindo alguém me chamar". E também atestaram a virada do sucesso, nos carrões que adornam a capa de Nada como um dia após o outro dia (2002). Era o prenúncio da vertente funk ostentação, uma espécie de capitulação popular da era patrimonialista que assola o planeta, com seus MC's viciados em grifes e cacoetes da riqueza propagada nas redes sociais. Mas, antes do desembargue deste novo holocausto urbano, o Racionais já tinha feito sua parte. Com arte.

Tárik de Souza | Dossiê: A voz de trovão anticordial
Revista Cult. n. 192, ano 17. Julho de 2014