13.3.18

jazz como protesto

Nina SimoneAin't got no


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Meu objetivo é mostrar não porque as pessoas precisam de maneiras de fazer protestos usando a música, ou de válvulas de escape, mas por que, tendo tais necessidades, elas encontrem no jazz um veículo tão adequado. E isso se dá porque é "música de pessoas comuns", que tanto por suas origens sociais quanto por suas associações e peculiaridades musicais, se presta a tal interpretação mesmo quando esse não é o objetivo. Se o jazz não existisse no cenário americano, alguma outra forma de tradição popular tomaria, sem dúvida, o seu lugar de veículo de protesto - embora as canções hillbilly, as músicas de cowboy, ou o democrático produto do Tin Pan Alley inicial, semifolclórico, não teriam sido substitutos à altura. Pois o jazz deve ao menos isso a suas origens e ligações com os negros, o fato de não ser apenas música de pessoas comuns, mas música de pessoas comuns em seu nível mais concentrado e emocionalmente mais poderoso. O fato de os negros serem e terem sempre sido pessoas oprimidas, mesmo entre os pobres e destituídos de poder, tornou seus gritos de protestos mais comoventes e esmagadores, seus gritos de esperança mais poderosos do que os de outros povos, e fez que encontrassem, mesmo em palavras, a mais irrespondível das expressões: "Ninguém sabe dos problemas por que passei", "Às vezes eu me sinto como uma criança órfã", "Bom dia, blues, blues, como vai você?". Por ser uma linguagem afro-americana, a linguagem do jazz é mais heterodoxa e deve menos até mesmo aos seus ecos de heterodoxia do que as outras formas de música popular. Além disso, por suas origens musicais, ele ousou o mais forte dos dispositivos musicais de indução de emoções físicas poderosas, o ritmo, como nenhuma outra música conhecida em nossa sociedade. Ele não é apenas uma voz de protesto: é um alto-falante natural.

Eric J. Hobsbawm
Trad.: Angela Noronha
1989