29.12.18

o que dizem as máquinas


O carvão em brasas crepita no forno; ferve borbulhante a água na caldeira; o pistão empurra a manivela; a manivela movimenta o eixo, faz girar o poderoso volante, e, enquanto a máquina ruge como um cansado monstro, a correia sem fim propõe em movimento outros eixos e outras rodas, outras correias e outras máquinas. A indústria marcha, a produção aumenta, o operário trabalha.

Como é belo o poder da inteligência humana! À sua invocação o movimento se multiplica e surgem o calor e a luz.

Mas, ai!, a máquina ainda pode dizer ao operário:

- Não te orgulhes. Em nada te diferencias de mim. Instrumento de trabalho como eu, teu estômago, assim como meu forno recebe o carvão indispensável, só recebe o alimento estritamente suficiente para que continues a desempenhar tua função mecânica. Sou um instrumento mais valorizado que tu, porque és mais abundante e custas menos. Quando me desgasto, me substituem; quando te desgastas, te abandonam. É a mesma coisa; não a mesma coisa, pior; porque tua única vantagem, tua inteligência, converte-se então em desvantagem; a consciência de teu valor passado será teu tormento. Tu, como eu, produzes, produzes, como eu, para os outros, não para ti. Juntos construímos fortunas que te pertencem e que jamais desfrutas. Operário: apodera-te de mim; arranca-me dos braços do velho capital; teu matrimônio comigo é tua única salvação. Deixa de ser instrumento para que o instrumento te pertença. Te quero amo, senhor, não companheiro. O capital me explora, só tu me fecundas. Só a ti quero pertencer.

O Chapeleiro, SP, ano I, n.4, 1 de maio 1904