12.3.08

[Um instantâneo: para a estética do real?]

[Joana Topless at the Chateau le Bastion, de Nan Goldin, 2000]

Não vou falar um isso sobre a fotógrafa Nan Goldin; sua estética fotográfica, por si só, serve de cartão de visita, portanto, dispensa maiores apresentações.
Nos últimos meses tenho me direcionado ao estudo da imagem ao longo dos séculos, com especial atenção ao século XX. Artistas como o pintor - el rey de los gatos - "mago" Balthus e o italiano Modigliani, para ficar com apenas dois exemplos, já entraram para o top do meu imaginário. Mas andemos em direção da imagem: ao click que Goldin sacou acima.

ps: não quero negar, antes de qualquer coisa, que a beleza despojada de Joana me chamou a atenção. até porque, devo ter ficado em estado de contemplação por um certo tempo indeterminado... repito: contemplação.

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Onde tudo começa. A casa, os quartos, as paredes, os armários no mesmo lugar de sempre; tento chegar mais perto onde tudo começa, o lustre de cristal, o som da geladeira, o tic tac do relógio, o cheiro da madeira que vinha do corredor e entrava pelos quartos, desatando pedaços do vivido como figuras de decalque descoladas em copo d'água.

[Porta-retrato - Teresa Pires Vara]


O homem nu, que sofre de insônia devido à carga excessiva de pensamentos, de pesadelos mal acabados e revelações do inconsciente, se levanta alta da madrugada, com seus pés cheios de veias sobresalientes tocando os tacos do chão e caminha para a cozinha em busca do conhaque. A dose da bebida faz trincar a pedra de gelo e romper o silêncio da garoa lá fora que esfria a noite. Sem a agitação dos carros, a noite atrai o homem nu que anda até a janela, respira o ar molhado da madrugada e, maquinalmente, acende um cigarro. O copo levantado à altura dos olhos reflete uma ilusão dourada que estaria presente na realidade do utensílio com a bebida destilada ou presente no imaginário do homem nu? O dedo dentro do copo gira a pedra para fazer quebrar o volume de alcool. A tragada. A fumaça que sobe pelo ar numa coreografia magistralmente ensaiada com o ar úmido e a luz que emana dos postes da rua parece criar uma atmosfera fantasiosa.

O homem nu se encaminha para o computador ligado e acessa seu e-mail. A quanto tempo ele, o homem nu, não recebia mensagens de amigos. Não é à toa que comunicação facilitou o acesso, a profusão instantânea das palavras, mas as pessoas se esqueceram uma das outras, já não mais carecem de afetos alheios. Será que Sartre estava realmente correto ao sentenciar que o inferno são os outros? O homem nu tenta desvincular desse pensamento que lhe atormenta e, de uma virada, bebe a sobra do conhaque. Volta a se concentrar no e-mail recebido e zás!: Em busca do real, é o título da mensagem. Um amigo – o homem nu sente uma saudade irredutível – da época de faculdade envia uma foto intitulada Joana Topless at the Chateau le Bastion, da autoria de uma fotógrafa norte-americana chamada Nan Goldin. Click para abrir o arquivo zipado e a imagem é ampliada no programa photoimpact.

A atração - diante da imagem da mulher nua, da sua intimidade espontânea(?) - é tão magnética que o homem pressente impulsos de estender o braço e tocar a tela do monitor que exibia a foto. Descontroladamente, as primeiras impressões são anotadas numa folha solta. Nunca uma imagem lhe havia tirado... estupefato o homem nu ratifica: o real já não é inventado.

A estética da foto:

Como se a figura, recém despertada, acendesse seu primeiro cigarro do dia e a fumaça fosse se misturando com o hálito matinal; a luz da manhã clareando melancolicamente o ambiente, o odor da pele sem banho, o cabelo liso e desalinhado, o olhar recíproco para a máquina fotográfica e sua boca semi-aberta revelando a pequena janela - imperfeição? - entre os dentes, mostrasse a presença pura da carne de Joana captada rapidamente ao acaso pela lente objetiva de Goldin às particularidades do corpo feminino e do realismo íntimo e cru nesse registro fidedigno na hora certa, no local certo. Sem nenhuma distorção do pensamento, apenas a estética de um real no núcleo da intimidade - autêntica? A porta atrás de Joana, insinua nosso desejo para dentro do não fotografado: com a mulher? Com o amante? Conosco mesmo?

Afeto instantâneo que nos lança em comunhão sublime diante de uma pessoa comum, como eu, você e ela.