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"Ninguém consegue seguir uma linha reta através da vida. Muitas vezes deixamos de saltar do trem na estação certa - ou descarrilhamos. As vezes nos perdemos, ou levantamos vôo e desaparecemos no ar como fumaça. Outras vezes, ainda, fazemos viagens tenebrosas sem sequer sair do lugar onde estamos. Existem pessoas que vivem toda a experiência de uma vida em poucos minutos. Outras esgotam diversas vidas durante sua permanência na terra. Algumas germinam como cogumelos, enquanto que outras escorregam e caem, inultimente, atoladas em seus caminhos. O que ocorre de momento a momento na vida de uma pessoa é insondável. Ninguém pode contar tudo o que aconteceu em determinado momento de sua vida, por mais curto que esse momento tenha sido. É nesse domínio do desconhecido que ocorre a verdadeira luta e é somente esse desconhecido que me interessa. Ao descrever fatos, acontecimentos, relações humanas e até mesmo simples bobagens, estou sempre me esforçando para que o leitor sinta a infiltração constante desse reino sombrio e misterioso fora do qual nada poderia acontecer. Quando comecei a escrever sabia disso, mas de maneira vaga, confusa. Estava certo de que não somente a minha vida, mas como a de qualquer outro homem é interessante (palavra fraca essa!) desde que tenhamos o trabalho de pesquisá-la. Compreendi que narrá-la seria importante (palavra falsa) e elucidativo - para mim e para outras pessoas semelhantes ou diferentes de mim. Afinal de contas, a arte de narrar é apenas mais uma das formas de comunhão. Mas apesar (ou será que foi por causa disso?) da minha seriedade, persistência e assiduidade, tudo o que consegui produzir foram uns poucos abortos que, felizmente, nunca foram publicados. Durante esse período de aprendizagem, os acontecimentos ocorriam com tanta rapidez e em tal profusão, que o escritor dentro de mim submergiu, afogou-se. Sei agora que tudo aquilo que escrevi até o Trópico de Capricórnio foi um esforço para começar a escrever, para iniciar a "confissão" já tão retardada. Em outras palavras, até então eu estava preparando o terreno." [MILLER, Henry. O mundo do sexo. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Americana, 1975. p. 78-79]