13.5.08

[Para aquela a quem nunca escrevi - versos desvividos]

[Green lanscape, de Marc Chagall, 1949]



Para aquela a quem nunca escrevi

versos desvividos
**


[**Daniel Osieck e Giuliano Gimenez
dois sujeitos numa tarde testando o diploma.]


O poema Para aquela a quem nunca escrevi, de Ivan Justen Santanna faz, de uma certa maneira, pontes com as marcas da modernidade e pós-modernas; com a descentralização do indivíduo, reduzindo-o a nenhum lugar, o poema parece gemer no sentido de travar batalha com a forma, ou seja, ao mesmo tempo em que se subestima como poeta, compõe versos rimados para alguém que não temos acesso. A sua opção pelo “marginal” se evidencia já no título do poema, e sua identificação com as correntes modernas da poesia aparecem simbolizadas através da metapoesia. Mesmo o poeta se considerando inferior, literariamente falando, a palavra é uma espécie de fragmento que o insere num lugar diferente do qual faz parte, pelo menos para ele.

Se lembrarmos o conflito interno de O lobo da Estepe, de Hermann Hesse, de que em nosso mundo moderno

há obras em que, por trás do véu do jogo das pessoas e caracteres, tentou-se apresentar uma pluralidade de almas, não de todo inconsciente para o autor. [...] não como seres individuais, mas como partes, como facetas, como aspectos diversos de uma suprema unidade (que para mim é a alma do poeta),

veremos como os versos do poema trabalham com a questão de várias almas dentro de uma, isto é, com a representação do eu como pluralidade que compõem o peito do poeta menor, ora limitando-o, ora fazendo dele sobra. Um ser que é plural, porém despedaçado. Ao tornar coisa sua agonia débil, o eu lírico intransigente não pode transcender o limite próprio da sua estética, e se limita a dizer por fragmentos o limite de sua própria impotência na tarefa árdua de compor versos e daquele que, por sua vez, está em pedaços ou ora aquele que, como elucida o verso, "mal sobrou por aqui". Aqui onde? Sob a ótica da pós-modernidade, no entanto, aqui remeteria a um lugar absoluto? Ou um não lugar, que pode estar suspenso?
Aquela que rola sobre o eu-lírico, é musa, mas esfinge. Secreta, que nunca esboçou qualquer vontade sua e que o faz materializar suas dores, seus
sentimentos os quais viram pedaços que se tornam obras completas, nesse sentido o jogo metalingüístico é a única referência exclusiva para o seu poema.
As incoerências e paradoxos que se desenvolvem ao longo dos seis versos vêm ao encontro do deslocamento, ou descentramento do indivíduo moderno, porque há um conflito múltiplo no poema. De um lado nota-se a presença da construção do texto, ou seja, há a reflexão sobre o fazer poético, de outro, há através desse mesmo labor poético a sobreposição de conflitos internos e externos, quando o poeta se refere a alguém que nunca o conheceu como tal, e isso de certa forma o diminui como sujeito. Mas como seu conflito é múltiplo, há de se notar também que na movimentação entre um paradoxo e outro, há uma crise de identidade, mas que é superada por um único elemento: a própria escrita. E é isso o que predomina na pós-modernidade: fragmentos diversos que se sustentam através de um único elemento - cujo aspecto nos remete a uma "suprema unidade", da qual fala Herman Hesse. E aqui, o que sustenta todo o resto nos outros versos é a própria poesia, ou os lapsos do que ele jamais escreveu.
Parafraseando dois versos de Rubens Torres Filho, Ivan Justen Santanna narra estórias desvividas que permeiam a dimensão onírica do indivíduo contemporâneo.


Para aquela a quem nunca escrevi

Àquela que rolou sobre meu parco limite de poeta,
Que nunca revelou qualquer vontade sua, secreta,
De ser musa daquele que mal sobrou por aqui –

A quem meus pedaços são obras completas,
A ela, que ainda vê gume nessas cegas setas,
Vai o lapso do melhor verso que jamais escrevi.