13.4.14

a lata de lixo da história



Prefácio inédito 
a uma chanchada de 1968

[...]

Comecei a escrever A Lata de Lixo em dezembro de 1968, pouco antes da decretação do AI-5, que afundou o país em anos de terror. Estava escondido em casa de amigos, cuja biblioteca era boa, e resolvi aproveitar o tempo. Além do Alienista, tirei da estante O Príncipe de Maquiavel, e sentei para trabalhar. A gravidade do momento era brutal, mas ainda assim a grossura dos generais arrancava riso, uma risada algo histérica, em que se misturavam o medo e a angústia. O clima era de pastelão macabro. Para exemplificar, quando o general presidente foi à tevê para explicar a necessidade de seu horroroso e histórico AI-5, parecia não ter familiaridade com o texto à sua frente, pelo qual ia tropeçando como podia. Enquanto isso, nas grandes capitais do mundo, e também entre nós - o ano era 68 -, a irreverência e o espírito libertário estavam em alta. Por contraste, as figuras caricatas que passavam a mandar e desmandar no Brasil ficavam ainda mais deprimentes e exasperantes. Para completar a liquidação, a oposição liberal à ditadura vacilava entre a prudência apavorada e a adesão oportunista, sem abrir mão das belas palavras. Mal ou bem, procurei dar forma teatral a essa cacofonia, casando decoro e pancadaria, grã-finismo e cretinice, cálculo e primarismo etc.