22.9.14

dia sem automóveis

[Poema artefacto de Nicanor Parra]


Os ecologistas e outros irresponsáveis propõem que por um dia, o dia de hoje, os automóveis desapareçam do mundo.
Um dia sem automóveis? E se esse exemplo se contagia e passa a ser todos os dias?
Deus não permita, e o Diabo tampouco.
Os hospitais e cemitérios perderiam sua clientela mais numerosa.
As ruas se encheriam de ciclistas ridículos e patéticos pedestres.
Os pulmões já não poderiam respirar o mais saboroso dos venenos.
As pernas, que tinham se esquecido de caminhar, tropeçariam em qualquer pedrinha.
O silêncio aturdiria os ouvidos.
As autopistas seriam desertos deprimentes.
As rádios, as televisões, as revistas e os jornais perderiam seus mais generosos anunciantes.
Os países petroleiros ficariam condenados à miséria.
O milho e a cana de açúcar, agora transformados em comida de automóveis, regressariam ao humilde prato humano.
Eduardo Galeano