19.6.15

Entrevista

[1922-1997]
Sentimental

Ponho-me a escrever teu nome / com letras de macarrão. / No prato, a sopa esfria, cheia de escamas /e debruçados na mesa todos contemplam / esse romântico trabalho. // Desgraçadamente falta uma letra, / uma letra somente / para acabar teu nome. // - Está sonhando? Olhe que a sopa esfria! / Eu estava sonhando... / E há em todas as consciências um cartaz amarelo: / "Neste país é proibido sonhar."

Carlos Drummond de Andrade

"O papel que eu queria
era de revolucionário"

[...]

Em princípios de 1962, o Juscelino, que pensava reeleger-se em 1965, convidou-me para ser seu futuro ministro da Agricultura. Achava que para eleger-se tinha que dar um conteúdo social e humano à sua campanha. Para isto devia falar da reforma agrária, que era o grande tema colocado em pauta no Brasil e em todo o Terceiro Mundo. O que ele me pedia era que exercesse, então, junto dele, o papel desempenhado antes por Lucas Lopes, quando se formulou o Programa de Metas. E o que ele me oferecia no fim da linha na eleição de 1965 era aquele cargo de ministro. Assim se vê que, naquela conjuntura, o que Jango tentava fazer não tinha nada de muito ousado nem de radical. Ele dizia sempre que, se o número de proprietários rurais fosse elevado para 10 milhões, a propriedade seria muito melhor defendida, e simultaneamente possibilidades maiores seriam abertas a mais gente de comer mais, de educar-se melhor, de viver mais dignamente. Por isso é que Jango, latifundiário, queria fazer a reforma agrária para defender a propriedade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular e a convulsão social. De fato, não se queria mais do que revogar a legislação de terras, que data do século passado, segundo a qual a forma de obter a propriedade da terra é a compra. Exatamente o contrário do que foi nos Estados Unidos, onde o colono, indo para o Oeste, como se vê nos filmes de faroeste, metia-se pelo sertão para fazer uma posse. E podia demarcar 116 acres para ali estabelecer-se com sua família, em seu próprio chão. Aqui, com a proibição da posse, promove-se é a expansão do latifúndio, tornando-se lícito deixar a terra improdutiva por força da propriedade. Apropriada a terra, obriga-se a força de trabalho a optar entre este ou aquele fazendeiro, uma vez que não encontra terra livre para ocupar em parte alguma, para tomar posse dela. O Brasil foi construído dentro da estreiteza desta trama agrária, tão dura, tão brutal, que onde quer que a rede monopolista seja ocasionalmente afetada correm logo multidões para fazer sua posse. Este foi o caso do Contestado, entre o Paraná e Santa Catarina, onde colonos estabeleceram aos milhares nas terras de ninguém, cujo domínio não estava ainda definido entre os dois estados. Coube aos soldados o triste papel de tirar de lá os que se haviam estabelecido, para que os latifundiários ali também se instalassem. O mesmo ocorreu na região contestada entre Minas e o Espírito Santo. O mesmo ocorre na Amazônia. São os caboclos maranhenses, piauienses, cearenses que vão chegando ao que é o nosso faroeste e marcam pedaços de terra, com a esperança de lá ter uma vida mais tranquila, como pequenos proprietários. Mas não adianta nada se arranchar, trabalhar a terra, pois o cartório governamental é que dirá de quem é a terra. O colono que chegou primeiro, que ali trabalhou anos e anos, é considerado invasor. O dono é a grande empresa milionária de impostos devolvidos pelo governo, que vai lá viver sua aventura amazônica. Se produzirá alguma coisa no futuro, não sabemos. Hoje o que produz é mais e mais bóias-frias.

Mas estávamos falando de 1962

Justamente, queríamos abolir a legislação responsável pelo atraso brasileiro, queríamos escrever na Constituição que a ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade. Se os Estados Unidos puderam industrializar-se rapidamente, isso em grande parte se deveu ao fato de as pessoas não serem expulsas do campo. E a população rural tinha estímulos para permanecer no trabalho, em sua própria terra, com suas culturas e seu gado, enquanto surgiam empregos na cidade. Tinham a terra. Aqui, não. O povo foi sendo expulso dos campos pelo latifúndio. E continua sendo, para acumular desempregados nas áreas urbanas. 

[...]

Ter como critério fundamental da política econômica o incentivo do lucro empresarial, sem qualquer critério de responsabilidade social, além de ser crime é uma loucura. O Brasil sempre foi muito próspero para os ricos.

Darcy Ribeiro | 1979