29.9.15

micropolítica do fascismo

[1930-1992]

Desterritorialização da produção
e molecularização do fascismo

O que assegura a passagem das grandes entidades fascistas clássicas à molecularização do fascismo a que assistimos hoje? O que acarreta a desterritorialização das relações humanas? O que as faz perder suas bases nos grupos territoriais, familiais, no corpo, nas faixas etárias, etc.? Qual é a natureza desta desterritorialização, que gera, por sua vez, a escalada de um microfascismo? Não se trata de uma mera questão de orientação ideológica ou estratégica por parte do capitalismo, mas de um processo material fundamental: é pelo fato de as sociedades industriais funcionarem a partir das máquinas semióticas que decodificam, cada vez mais, todas as realidades, todas as territorialidades anteriores; é pelo fato de as máquinas técnicas e sistemas econômicos serem cada vez mais desterritorializados, que estão em condições de liberar fluxos de desejo cada vez maiores; ou, mais exatamente, é pelo fato de seu modo de produção ser forçado a operar esta liberação, que as formas de repressão também são levadas a se molecularizarem. Uma simples repressão maciça, global, cega não é mais suficiente. O capitalismo é obrigado a construir e impor seus próprios modelos de desejo, e é essencial para sua sobrevivência que consiga fazer com que as massas que ele explora os interiorizem. Convém atribuir a cada um: uma infância, uma posição sexual, uma relação com o corpo, com o saber, uma representação do amor, da honestidade, da morte, etc. As relações de produção capitalista não se estabelecem só na escala dos grandes conjuntos sociais; é desde o berço que modelam um certo tipo de indivíduo produtor-consumidor. A molecularização dos processos de repressão e, por consequência, esta perspectiva de uma micropolítica do desejo não estão ligadas a uma evolução de ideias, mas a uma transformação dos processos materiais, a uma desterritorialização de todas as formas de produção, quer se trate da produção social ou da produção desejante.

Por não dispor de modelos comprovados, e considerando a desadaptação das antigas fórmulas fascistas, stalinistas e, talvez, também social-democratas, o capitalismo é levado a buscar, em seu próprio seio, fórmulas de totalitarismo melhor adaptadas. Enquanto não as tiver encontrado, será tomado, em contracorrente, por movimentos que se situarão em frentes, para ele, imprevisíveis (greves selvagens, movimentos de autogestão, lutas dos imigrados, de minorias raciais, subversão nas escolas, nas prisões, nos hospícios, lutas pela liberdade sexual, etc.). Esta nova situação, onde não se está mais lidando com conjuntos sociais homogêneos, cuja ação possa ser facilmente canalizada para objetivos unicamente econômicos, tem como contrapartida fazer proliferar e exacerbar respostas repressivas. Ao lado do fascismo dos campos de concentração - que continuam a existir em inúmeros países -, desenvolvem-se novas formas de fascismo molecular: um banho-maria no familialismo, na escola, no racismo, nos guetos de toda natureza, supre com vantagens os fornos crematórios. Por toda a parte, a máquina totalitária experimenta estruturas que melhor se adaptem à situação: isto é, mais adequadas para captar o desejo e colocá-lo a serviço da economia de lucro. Dever-se-ia, portanto, renunciar definitivamente a fórmulas demasiado simplistas do gênero: "o fascismo não passará". Ele não só já passou, como passa sem parar. Passa através da mais fina malha; ele está em constante evolução; parece vir de fora, mas encontra sua energia no coração do desejo de cada um de nós. Em situações aparentemente sem problemas, catástrofes podem aparecer de um dia para o outro. O fascismo, assim como o desejo, está espalhado por toda parte, em peças descartáveis, no conjunto do campo social; ele toma forma, num lugar ou noutro, em função das relações de força. Pode-se dizer dele, ao mesmo tempo, que é superpotente e de uma fraqueza irrisória.

Em última análise, tudo depende do talento dos grupos humanos em se tornarem sujeitos da História, isto é, em agenciar, em todos os níveis, as forças materiais e sociais que se abrem para um desejo de viver e mudar o mundo.

Guattari | 1977
Trad.: S. Rolnik