13.11.15

epístola

[1920-1955]

Há quase vinte anos venho dando o melhor do meu esforço para ajudar a construir em São Paulo um núcleo de estudos universitários digno desse nome. Por grandes que sejam as minhas falhas e por pequena que tenha sido a minha contribuição individual, esse objetivo constitui o principal alvo de minha vida, dando sentido às minhas atividades como professor, como pesquisador e como cientista. Por isso, foi com indisfarçável desencanto e com indignação que vi as escolas e os institutos da Universidade de São Paulo serem incluídos na rede de investigação sumária, de caráter policial-militar, que visa a apurar os antros de corrupção e os centros de agitação subversiva no seio dos serviços públicos mantidos pelo Governo Federal.

Não somos um bando de malfeitores. Nem a ética universitária nos permitiria converter o ensino em fonte de pregação político-partidária. Os que exploram meios ilícitos do enriquecimento e de aumento do poder afastam-se cuidadosa e sabidamente da área de ensino [...]. Em nosso país, o ensino só fornece o ônus e pesados cargos, oferecendo escassos atrativos, mesmo para os honestos, quanto mais para os que manipulam a corrupção como um estilo de vida. De outro lado, quem pretendesse devotar-se à agitação político-partidária seria desavisado se cingisse às limitações insanáveis que as relações pedagógicas impõem ao intercâmbio das gerações.

Carta de Florestan Fernandes ao tenente-coronel que veio detê-lo, em setembro de 1964.