9.11.16

lugar para dúvida

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Estamos em uma transição incerta que torna insegura qualquer descrição da estrutura social. É posto um ponto de interrogação no senso comum sobre o que é o social, não apenas das pessoas comuns como também dos cientistas. Não basta tentar entender o "contexto social" quando os cidadão decidem em quem votar ou os consumidores escolhem se diferenciar lendo livros ou exibindo dispositivos eletrônicos. Nós tomamos essas decisões participando de interações sociais que não são exteriores aos indivíduos, como são imaginados os "contextos". Operamos como atores em rede que colocam em dúvida constantemente como se associar, e para quê, com outros autores, com instituições e com os movimentos que as questionam. Naturalmente, examinar a cada momento os pressupostos do senso comum não é tarefa exclusiva dos filósofos e cientistas sociais, ou seja, nós que suspeitamos da simples acumulação de dados - dos que leem ou não, dos que votam ou preferem se manifestar nas ruas. Também cumprem essa tarefa crítica os movimentos sociais, e por isso os pesquisadores estamos prestando tanta atenção neles e nas estruturas, que cada vez duram menos. Em um mundo que se transforma com mais velocidade do que quando apareceu a imprensa, o cinema ou a televisão, é inaproveitável a ideia do cientista como um taquígrafo que anota se as leis imaginadas "do social" são cumpridas ou transgredidas. Quando as maiorias atuam conforme as leis, mas adaptando-se a relações informais que prevalecem na política, na economia, no acesso à informação, quando o sobrenome que melhor qualifica a democracia é canalha, quando não muda fisicamente o mapa dos poderosos, mas as interações próximas e distantes de multidões, e todos nos sentimos mais ou menos estrangeiros, a tarefa do pensamento social - em vez de descobrir regularidades de longa duração - é "orquestrar contrastes" (Clifford Geertz). Captar a ordem das pessoas e das coisas requer, mais do que nunca, estar atento à sua arbitrariedade. A sociedade é um labirinto de estratégias.

Néstor G. Canclini