30.5.17

diário de san francisco

1905-1975

Contar! Contar! Contar!

24 de novembro de 1943. Meu amigo o escritor Raimundo Magalhães me escreve de Nova York contando que a polícia em São Paulo abriu fogo contra os estudantes que desfilavam pelas ruas num silencioso protesto contra o chamado Estado Novo. Procuro ansiosamente nos jornais e revistas norte-americanas a notícia desse fato, que, segundo parece, deve ter ocorrido em princípios de outubro passado. Não encontro nada. Há como que um absoluto blecaute com relação a notícias sobre o Brasil. A censura brasileira é um prodígio de hermetismo. Fico a pensar que é mais fácil ludibriar a Gestapo e descobrir o que vai pela chancelaria de Hitler em Berlim do que ficar sabendo o que se passa nas ruas de São Paulo ou Rio.

Casualmente estive a discorrer em aula esta manhã sobre a "bondade essencial" do brasileiro, o nosso horror à violência e a nossa amável tática que consiste em usar a malícia em vez da maldade. Contei a meus alunos que proclamamos a Abolição e a República sem nenhum derramamento de sangue. Mostrei como tudo isso indica que temos, se não uma civilização, pelo menos uma cultura, uma serena sabedoria de vida.

E mesmo agora, diante dessa sombria notícias, não vejo nenhum motivo para mudar de opinião sobre meus compatriotas. Porque tenho a certeza de que apenas um grupo reduzido de homens de mentalidade fascista é responsável por esse crime. Não compreendo - ou, antes, compreendo mas não justifico - a razão por que essa mesma imprensa norte-americana que ataca tão ferozmente a Argentina pelas suas tendências nazistas deixe passar em branco, sem a menor menção, uma tão bárbara expressão de nazismo como foi o atentado contra os estudantes paulistas.

Érico Veríssimo