20.2.18

dialética do esclarecimento



O carisma metafísico do Führer, inventado pela sociologia da religião, acabou por se revelar como a simples onipresença de seus discursos radiofônicos, que são uma paródia demoníaca da onipresença do espírito divino. O fato gigantesco de que o discurso penetra em toda parte substitui seu conteúdo, assim como a favor que nos fazem com a transmissão do concerto de Toscanini toma o lugar de seu conteúdo, a sinfonia. Nenhum ouvinte consegue mais apreender seu verdadeiro sentido, enquanto o discurso do Führer é, de qualquer modo, a mentira. Colocar a palavra humana como algo de absoluto, como um falso imperativo, é a tendência imanente do rádio. A recomendação transforma-se em um comando. A apologia das mercadorias, sempre as mesmas sob diversas marcas, o elogio do laxante, cientificamente fundamentado, na voz adocicada do locutor entre as aberturas da Traviata e de Rienzi, tornaram-se, já por sua cretinice, insuportáveis. Um belo dia, a propaganda de marcas específicas, isto é, o decreto da produção escondido na aparência da possibilidade de escolha, pode acabar se transformando no comando aberto do Führer. Numa sociedade dominada pelos grandes bandidos fascistas, que se puseram de acordo sobre a parte do produto social a ser destinado às primeiras necessidades do povo, pareceria enfim anacrônico convidar o uso de um determinado sabão em pó. O Führer ordena de maneira mais moderna e sem maior cerimônia tanto o holocausto quanto a compra de bugigangas.

Adorno & Horkheimer
Trad.: Guido A. de Almeida