20.2.18

doc



Desacato a la autoridad | 2014

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O punk é uma hiperpalavra. Holístico, híbrido, situacionista, dadaísta, o punk encerra um simbolismo muito particular na cultura ocidental contemporânea. [...] O punk afirmou-se exatamente como dissidência face a essa lógica de cooptação, prefigurando o underground e estendendo-se para a rua, para a roupa, para a moda, para o design, para a ilustração. [...] O punk é D.I.Y.

Mas também é um movimento cultural. Inscreve-se na dinâmica de que são portadoras, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sucessivas gerações de jovens, que vivem e interpretam os grandes processos históricos da escolarização das massas, do desenvolvimento da produção e do consumo massificados, da emergência dos meios de comunicação de massas e das indústrias culturais, do crescendo das funções de marketing, publicidade e moda na geração do valor econômico, do Estado de Bem-estar, da polarização ideológica e político-militar em blocos antagónicos e dos desafios à ordem ocidental colocados pela descolonização, o anti-imperialismo e a Guerra Fria. O punk, juntamente com o underground e o D.I.Y., definir-se-á a si próprio como uma forma e um movimento estético. A diferença punk radica numa combinação de traços: no posicionamento à margem ou no underground do que for apercebido como um sistema instituído, qualquer que seja a sua esfera de influência, da política à economia, da sociedade à música; o desafio permanente e irremissível a esse sistema, numa lógica de sistemático questionamento e desconstrução de qualquer expressão, símbolo ou convenção, por mais naturalizada que pareça;  a busca de uma coerência pessoal, quer baseada na articulação entre o que se é, o que se diz, o que se veste e o que se faz, quer baseada na realização prática dos princípios defendidos, designadamente na maneira como se vive a música.

O punk é uma cena local, virtual, global e translocal. É uma matriz de ligação entre diferentes protagonistas: bandas, editoras, promotores, críticos, divulgadores, os consumidores, os fãs; e os recursos e meios, como os discos e outros registros fonográficos, os concertos e outros eventos, os bares, as caves, as salas e outros espaços, os jornais, os fanzines, as lojas de roupas, os acessórios e os discos, as ruas e as feiras, as plataformas físicas e digitais... Esta estrutura tem uma espacialidade e uma territorialidade, inscreve-se num meio social (físico ou, mais ultimamente, virtual), potenciando economias de aglomeração e escala (Silva e Guerra, 2015).

Cultura, cena, estética, forma musical: o punk é subversão e estilhaço. É tudo e nada: é um cosmos de possibilidades. O punk inaugurou toda uma panóplia de culturas underground e D.I.Y.

Paula Guerra e Will Straw | I wanna be your punk: o universo de possíveis do punk, do D.I.Y e das culturas underground