27.3.18

buen vivir




A passagem do Estado-nação para o Estado plurinacional, comunitário e autonômico é um grande desafio. Trata-se de deixar para trás a modernidade, a história da soberania na modernidade, a história do Estado na modernidade, a história da relação entre Estado e sociedade, uma história que define a separação entre governantes e governados, entre sociedade política e sociedade civil, em um contexto matricial onde se demarcou a relação entre dominantes e dominados a partir de mecanismos de dominação e diagramas de poder que atravessam os corpos e os territórios, incindindo nas condutas e comportamentos, na administração da terra e dos territórios, na exploração da força de trabalho. Deixar para trás uma história de colonização e dominações polimorfas arraigadas no mundo, onde a geopolítica da economia-mundo e do sistema-mundo capitalista divide o planeta entre centro e periferia, racializando a exploração da força de trabalho e controlando as reservas de recursos naturais, estabelecendo uma divisão planetária do trabalho, convertendo os países periféricos em exportadores de matérias-primas e reservas de mão de obra barata, transferindo, mais tarde, tecnologia obsoleta a alguns desses países que entraram tardiamente na Rev. Industrial, deslocando para eles a indústria pesada, considerada de alto e massivo investimento de capital, mas com baixos rendimentos a médio e longo prazo, preferindo optar, por isso, pela circulação do capital financeiro, que rende grandes benefïcios a curto prazo. Deixar para trás, assim, a ilusão que provocam os Estados-nação subalternos, com o fim das guerras de independência e as lutas de libertação nacional, a ilusão de nossa independência e igualdade no concerto das nações, no marco hierárquico das Nações Unidas.

Alcoreza

No terreno prático, Cristóvão Colombo, com sua histórica viagem, sentou bases da dominação colonial, com consequências indubitavelmente presente até os dias de hoje. Colombo buscava recursos naturais, especialmente especiarias, sedas, pedras preciosas e ouro. Segundo Colombo, que chegou a mencionar o metal precioso 175 vezes em seu diário de viagem, 'o ouro é excelentíssimo; do ouro se faz tesouro e, com ele, quem possui, faz o que quiser no mundo, e chega inclusive a levar as almas ao paraíso'.

Colombo abriu as portas para a conquista e a colonização. Com elas, em nome do poder imperial e da fé, iniciou-se uma exploração impiedosa de recursos naturais e seres humanos, com o conseguinte genocídio de muitas populações indígenas.

O desaparecimento de povos inteiros - mão de obra barata e subjugada - foi 'compensado' com a incorporação de escravos provenientes da África: escravos que logo dariam uma importante contribuição ao processo de industrialização, como reconheceria Karl Marx em 1846: sem a escravidão, não teríamos a indústria moderna. Foi a escravidão que deu às colônias o seu valor, foram as colônias que criaram o comércio mundial, é o comércio mundial que é a condição da grande indústria. Assim, a escravidão é uma categoria econômica da maior importância.

Desde então, para sentar as bases do mercado global, forjou-se um esquema extrativista de exportação de Natureza nas colônias em função das demandas de acumulação do capital nos países imperiais, os atuais centros do então nascente sistema capitalista.
Simultaneamente, impôs-se o progresso tecnológico, assumindo como um elemento a serviço da Humanidade. Desde então, pouco se falou sobre suas contradições: desigualdade social, degradação ambiental, desemprego, além de outras injustiças que colocam em perigo a continuidade da vida no planeta [...] O esforço fundamental radica em superar o sistema capitalista enquanto 'civilização da desigualdade', como define o austríaco Joseph Schumpeter, e sobretudo enquanto sistema essencialmente predatório e explorador. Este é um sistema que 'vive de sufocar a vida e o mundo da vida', como afirmava o filósofo equatoriano Bolívar Echeverría.

O Bem Viver é um processo em construção e reconstrução que encerra processos históricos-sociais de povos permanentemente marginalizados. Esta proposta não pode ser vista só como uma alternativa ao desenvolvimento economicista. Tampouco é um simples convite a retroceder no tempo e reencontrar-se com um mundo idílico, inexistente por definição. E não pode transformar-se em uma sorte de religião com seu catecismo, seus manuais e seus comissários políticos.

... a conjugação destes termos - sumak kawsay e suma qamaña - permite as seguintes expressões: Buen Vivir, Vivir Bien, saber viver, saber conviver, viver em equilibrio e harmonia, respeitar a vida, vida em plenitude, vida plena. "O sumak kawsay, no que se refere às tradições indígenas andinas e amazônicas, tem a forma de um conceito holístico porque compreende a vida humana como parte de uma realidade vital maior de caráter cósmico cujo princípio básico é a relacionalidade do todo.

Do que se trata aqui é de viver bem aqui e agora, sem colocar em risco a vida das próximas gerações. Para consegui-lo, há que se desmontar os privilégios existentes e as enormes brechas entre os que têm tudo e os que não têm nada. Isso exige distribuir e redistribuir agora a riqueza e a renda para começar a sentar as bases de uma sociedade mais justa e equitativa, ou seja, mais livre e igualitária. Caso contrário, não há como sustentar a sobrevivência ou a reconstrução ou a própria construção das comunidades.

Alberto Acosta | 2011
Trad.: Tadeu Breda