11.5.18

novos desafios para a educação

Aurelio G.

Nosso mundo lembra cada vez mais Leônia, a “cidade invisível” de Italo Calvino, onde “mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência … se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar a novas”. A alegria de “livrar-se” de algo, o ato de descartar e jogar no lixo, esta é a verdadeira paixão do nosso mundo.

A capacidade de durar não joga mais a favor das coisas. Dos objetos e dos laços, exige-se apenas que sirvam durante algum tempo e que possam ser destruídos ou descartados de alguma forma quando se tornarem obsoletos – o que acontecerá forçosamente. Assim, é preciso evitar a posse de bens, em particular daqueles que duram muito e que não são descartáveis com facilidade. O consumismo de hoje não consiste em acumular objetos, mas em seu gozo descartável. Sendo assim, por que o “pacote de conhecimentos” adquiridos na universidade deveria escapar dessa regra universal? No turbilhão de mudanças, é muito mais atraente o conhecimento criado para usar e jogar fora, o conhecimento pronto para utilização e eliminação instantâneas, o tipo de conhecimento prometido pelos programas de computador que entram e saem das prateleiras das lojas num ritmo cada vez mais acelerado. Portanto, a ideia de que a educação pode consistir em um “produto” feito para ser apropriado e conservado é desconcertante, e sem dúvida não depõe a favor da educação institucionalizada. Para convencer seus filhos da utilidade do estudo, pais e mães de outrora costumavam dizer que “aquilo que você aprendeu ninguém vai poder lhe tirar”. Esta talvez fosse uma promessa encorajadora para os filhos deles, mas, para os jovens contemporâneos, deve representar uma perspectiva horripilante. Os compromissos tendem a ser malvistos se não vêm acompanhados da cláusula “até segundo aviso”. Num número cada vez maior de cidades americanas, alvarás de construção só são expedidos se estiverem acompanhados do respectivo alvará de demolição. E, recentemente, os generais americanos opuseram-se ao assentamento de suas tropas na zona de operações enquanto não fosse elaborado um “cenário de retirada” convincente. O segundo desafio aos pressupostos fundamentais da educação vem do caráter errático e substancialmente imprevisível das transformações contemporâneas, e reforça a posteriori o primeiro desafio. Em todas as épocas, o conhecimento foi avaliado com base em sua capacidade de representar fielmente o mundo. Mas como fazer quando o mundo muda de uma forma que desafia constantemente a verdade do saber existente, pegando de surpresa até os mais “bem-informados”? 

O mundo dos nossos dias parece mais um mecanismo para esquecer do que um ambiente para aprender. 

Num mundo como este, o conhecimento é destinado a perseguir eternamente objetos sempre fugidios que, como se não bastasse, começam a se dissolver no momento em que são apreendidos. E como os prêmios para quem faz a coisa certa tendem a ser colocados cada dia num lugar diferente, os estímulos de reforço podem ser tão enganosos quanto tranquilizadores: transformam-se em armadilhas a serem evitadas, pois podem instilar hábitos ou impulsos que, um segundo depois, se revelarão inúteis ou até daninhos. 

Você vale tanto quanto seu último sucesso”: esta é a máxima do bem viver num mundo em que as regras mudam durante a partida e não duram mais do que o tempo necessário para aprendê-las e memorizá-las. Os percentuais de sucesso obtidos com as respostas aprendidas e exercitadas em condições de rotina caem rapidamente: “flexibilidade” é a palavra de ordem do momento. A capacidade de abandonar depressa os hábitos presentes torna-se mais importante do que o aprendizado dos novos. Somos todos obrigados a adotar como norma o estilo de vida que, há dois séculos, Soren Kierkegaard considerou patológico em Don Juan, ou seja: “Terminar rapidamente e desde logo recomeçar do princípio.” 

As fábricas fordistas massificadas e os exércitos baseados no recrutamento em massa – os dois principais braços do poder pan-óptico – personificavam com plenitude a tendência a transformar estímulos e respostas em rotina. O “domínio” consistia no direito de fixar regras invioláveis, de supervisionar sua aplicação, de garantir vigilância constante sobre os que eram forçados a cumpri-las e de disciplinar os desviantes ou expulsá-los, se as tentativas de reabilitação falhassem. 

Esse esquema de domínio exigia um engajamento recíproco por parte de dirigentes e dirigidos. Em cada estrutura pan-óptica havia um Pavlov que determinava a sequência de movimentos e garantia que ela se repetisse sem variações, imune a qualquer pressão contrária, presente ou futura. Como os projetistas e supervisores dos pan-ópticos garantiam a estabilidade das composições e a repetição de situações e escolhas, valia a pena memorizar as regras e incorporá-las em hábitos profundamente radicados e automatizados. A era da modernidade “sólida” esteve, de fato, muito perto de realizar tais ambientes duráveis, administrados e controlados de forma rígida. 

Como concluíram Luc Boltanski e Eve Chiapello, quem quiser ser bem-sucedido no ambiente de trabalho que substituiu o tipo de cenário “labirinto de ratos” deve demonstrar capacidade de convivência em grupo e de comunicação, abertura mental e curiosidade, vender sua própria pessoa, inteira, como valor único e insubstituível, capaz de enriquecer a qualidade do grupo de trabalho. Hoje, o empregado ou aspirante ao emprego têm de se “autodisciplinar” para garantir que sua performance seja convincente, com boas chances de aprovação agora e no futuro, no caso de mudança das preferências dos observadores. Não compete mais aos chefes reprimir as idiossincrasias dos empregados, homogeneizar seu comportamento e enquadrar suas ações na rígida moldura da rotina. 

Em nenhum dos momentos decisivos da história humana os educadores enfrentaram um desafio comparável ao que representa este ponto limite. Nunca antes nos deparamos com situação semelhante. A arte de viver num mundo hipersaturado de informação ainda não foi aprendida. E o mesmo vale também para a arte ainda mais difícil de preparar os homens para esse tipo de vida. 

Zygmunt B.
Trad.: Eliana A.