17.10.18

Correspondência

T. Z. 

Sabe, Annuska, eu estava pensando no texto que tenho ensaiado para o Teatro Invisível. Vou recitá-lo de forma espontânea, enquanto não chegamos na Oficina. Tudo bem para você?

- Manda'í!

É mais ou menos assim: quem diz poder político diz dominação; mas lá onde a dominação existe, deve haver necessariamente uma parte mais ou menos grande da sociedade que é dominada, e aqueles que são dominados detestam naturalmente aqueles que os dominam, enquanto aqueles que dominam devem necessariamente reprimir, e por consequência oprimir os que estão submissos à sua dominação.

Minha conclusão é a seguinte: é preciso abolir completamente, no princípio e nos fatos, tudo que se chama poder político, pois, enquanto ele existir, haverá dominadores e dominados, senhores e escravos, exploradores e explorados. Uma vez abolido o poder político, é preciso substitui-lo pela organização das forças produtivas e dos serviços econômicos.

Mas tenho uma pergunta, Annuska: de que forma o povo, esmagado por seu trabalho e ignorante sobre a maioria das questões envolvidas, controlará os atos políticos de seus eleitos?

Para votar com plena consciência de causa e com inteira liberdade as leis que lhe são propostas ou que ele propõe, seria preciso que o povo tivesse tempo e instrução necessários para estudá-las, amadurecê-las, discuti-las; ele deveria se transformar num imenso parlamento ao ar livre. Na maior parte do tempo, as leis propostas têm um caráter de tal forma especial que é preciso ter hábito das abstrações políticas e jurídicas para compreender seu verdadeiro alcance. Elas escapam naturalmente à atenção e à compreensão do povo que vota nelas cegamente, dando crédito aos seus oradores favoritos.

A maioria dos negócio e das leis, e dentre eles muitos importantes, que têm uma relação direta com o bem-estar, com os interesses materiais das comunas, faz-se por cima da cabeça do povo sem que ele perceba, preocupe-se e participe. Comprometem-no, atam-no, arruinam-no algumas vezes sem que tenha consciência. Ele não tem o hábito nem o tempo necessário para estudar tudo isso, e deixa a cargo de seus eleitos que, obviamente, servem os interesses de sua classe, de seu mundo, não os do povo, e cuja maior arte consiste em apresentar-lhe suas medidas e suas leis sob o aspecto mais anódino e mais popular. O sistema de representação democrática é o da hipocrisia e da mentira perpétuas; necessita da estupidez do povo e funda todos seus triunfos sobre ela.