16.11.18

Nowtopia



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O surgimento concomitante da televisão nos anos 1950 introduziu uma nova dimensão à reprodução social, descrita pelos situacionistas nos anos 1960 como a "Sociedade do Espetáculo". Não podendo ser reduzida a uma noção clichê da mídia de massas, a sociedade do espetáculo é aquela em que a experiência vivida parece menos real do que as representações da vida recebidas e editadas por meio dos vários canais. O tempo é nivelado em um agora interminável, à medida que a própria história desaparece, deixando para trás apenas um fluxo de episódios nostálgicos e as lembranças que os acompanham. A própria sociedade do espetáculo é a única expressão autorreferente da realidade; qualquer coisa que contradiga suas premissas autossatisfeitas é ignorada e rapidamente esquecida.

A sociedade do espetáculo foi potencializada quando os jornais e o rádio receberam o acréscimo da televisão, o sistema de propaganda mais poderoso já concebido. As mensagens comerciais que jorraram da televisão desde os seus primórdios foram redefinido aos poucos a forma como as pessoas passaram a entender suas vidas. Como a "verdade" representada na televisão não correspondia às experiências reais no trabalho e na escola, a culpa pela insatisfação com a vida era carreada de problemas compartilhados e coletivos ao fracasso pessoal. Se a TV dizia que aquele era o melhor de todos os mundos possíveis e você não achava que sua vida era tão bacana, bom, devia haver alguma coisa errada com você, e não um problema sistêmico, já que todas as outras pessoas estavam aparentemente felizes e prosperando.

A visão de mundo individualista promovida pela sociedade do espetáculo reforçava uma política de classe trabalhadora que já tinha aceitada a subordinação ao capital muito antes. [...] Não havia esforço independente, incentivando ou desenvolvido por um movimento sindical independente, para determinar qual trabalho deveria ser feito e por quem, como deveria ser organizado e com que finalidade (nem como a sociedade em geral poderia definir seu próprio papel na organização democrática de nossas vidas materiais). A política trabalhista se limitava a negociar o preço da força de trabalho em empresas capitalistas específicas ou, na melhor das hipóteses, em setores da economia. As antigas reivindicações socialistas por jornadas de trabalho mais curtas foram subsumidas em negociações setoriais por tempo de férias, salários mais altos e aposentadorias. O sistema de saúde nacional era apresentado como infiltração do socialismo e, no lugar dele, os empregadores implementaram planos de saúde por empresa, uma concessão histórica que cresceu rapidamente no século XXI.

A derrocada de um poder alternativo da classe trabalhadora foi selada pela submissão da organização dos trabalhadores à liderança do capitalismo. Décadas de prosperidade econômica capitalista depois da Segunda Guerra Mundial e a integração do trabalho organizado no "acordo" consumista-militar-industrial da Guerra Fria despolitizaram ainda mais a classe. Comunidades de classe trabalhadora de meados do século XX foram se desintegrando aos poucos, através do desenvolvimento urbano e da mudança dos brancos para os bairros de classe média (com o racismo sindical sendo uma força a contribuir para isso). O trabalho organizado foi enquadrado politicamente como "interesse especial" por lobistas empresariais atuando em interesse próprio. O movimento sindical definiu as reformas que produziram semanas de 40 horas e os tão desejados fins de semana, mas, em meados da década de 1960, viu suas bases exterminadas pela formação desses bairros homogêneos e o avassalador imperativo cultural para consumir. O orgulho coletivo (e agência política) baseados na ocupação foram corroídos pela reconceituação gradual, mas quase completa, dos trabalhadores como consumidores. A poderosa máquina de marketing ajudou a afastar a atenção das pessoas daquilo que elas faziam e direcioná-la ao que possuíam como mecanismo básico de autodefinição. Com o tempo, o orgulho pessoal passou a estar mais associado ao valor de status das propriedades da pessoa do que a seu trabalho ou sua contribuição à sociedade.

A sedução de um vida de lazer tecnologicamente definida, como se promove incessantemente na TV e no cinema, chocava-se com o emburrecimento entorpecedor de muitos empregos. Em chãos de fábrica regulamentados e rigidamente controlados ou na conformidade dos ternos cinzas e colarinhos brancos da vida de escritório, os trabalhadores tiravam licenças de saúde, pediam demissão, roubavam tempo e produtos, gerando uma nova insubordinação afirmativa. Os levantes culturais de final dos anos 1960 ajudaram a alimentar ainda mais uma recusa sem precedentes do trabalho nos Estados Unidos. Reduções de ritmos de trabalho, licenças de saúde coletivas, greves realizadas por fora dos sindicatos e manifestações políticas de massa contribuíram, todas, para um colapso do "acordo" pós-Segunda Guerra Mundial e dos lucros que o sustentavam.

A exitosa resistência vietnamita às forças dos Estados unidos entre 1968 e 1972 se combinou com manifestações de massa e amplo motim de militares de baixa patente, prejudicando ainda mais a capacidade do sistema de governar. A quebra da lucratividade capitalista levou o presidente Nixon a abolir o padrão-ouro em 1971 e liberar o dólar para que flutuasse em relação a competidores globais emergentes, esperando impulsionar lucros em queda com manipulações da moeda, um modelo que continua a embasar a estratégia econômica global do país até hoje. Subitamente, os preços do petróleo em 1973-74 foram habilmente manipulados para enriquecer tesourarias de empresas desesperadas, ao mesmo tempo em que reimpunham a insegurança e o medo à recentemente insubordinada classe trabalhadora dos Estados Unidos.

Chris Carlsson
Trad.: Roberto C. Costa