25.5.19

produção não alienada

Cólera | 2004


Engole, engole o assunto do mês


As relações históricas entre vanguardas políticas e artísticas já foram exploradas de forma extensa por outros. Para mim, no entanto, a questão realmente intrigante é: por que artistas são atraídos com tanta frequência para a política revolucionária, em primeiro lugar? Porque parece que, mesmo em tempos e lugares em que não há quase nenhuma outra representação para a mudança revolucionária, o lugar mais propício a abrigar uma é entre artistas, escritores e músicos; mais ainda, na verdade, do que entre intelectuais profissionais. Parece-me que a resposta deve ter algo a ver com alienação. Haveria uma ligação direta entre a experiência de primeiro imaginar e depois concretizar (individual ou coletivamente) - isto é, a experiência de certas formas de produção não alienada -  e a habilidade de imaginar alternativas sociais, em especial a possibilidade de uma sociedade cuja premissa fossem formas de criatividade menos alienadas. Isto nos permitiria ver a mudança histórica entre ver a vanguarda como uma classe artística (ou talvez intelectual) relativamente não alienada a vê-la como representante dos "mais oprimidos" sob uma nova óptica. Na verdade, eu sugeriria, coalizões revolucionárias sempre tendem a constituir numa aliança entre os menos alienados e os mais oprimidos de uma sociedade. E esta é uma formulação menos elitista do que pode soar, pois verdadeiras revoluções parecem tender a ocorrer quando essas duas categorias se sobrepõem. De qualquer forma, isto explicaria por que quase sempre parecem ser os camponeses e os trabalhadores manuais - ou, alternativamente, ex-camponeses e trabalhadores manuais recém-proletarizados - que se rebelam e derrubam regimes capitalistas, e não aqueles conformados a gerações de trabalho assalariado.

[...]

O papel dos povos indígenas, por sua vez, remete-nos aos da etnografia como possível modelo para o pretenso intelectual revolucionário não vanguardista - bem como algumas de suas potenciais ciladas. Evidentemente, o que estou propondo só funcionaria se fosse, em último caso, uma forma de auto-etnografia, combinada, quem sabe, a certa extrapolação utópica:  uma questão de extrair a lógica ou os princípios tácitos que inerentes a determinadas formas de prática radical e, em seguida, não apenas oferecer a análise de volta a essas comunidades, mas utilizá-las para formular novas visões ("se aplicássemos os mesmo princípios que você está aplicando à organização política da economia, não ficaria assim?"...). Aqui também há paralelos sugestivos na história dos movimentos artísticos radicais, que se tornaram movimentos precisamente ao se tornarem seu próprios críticos. Também há intelectuais já tentando, digo isso tudo não tanto para fornecer modelos, mas para abrir um campo de discussão, em primeiro lugar, enfatizando que mesmo a noção de vanguardismo em si é muito mais rica em sua história e muito mais cheia de possibilidades alternativas do que qualquer um de nós poderia esperar.

D. G.
Trad.: H. M.