3.6.19

a corrosão do caráter


Richard Sennett | 2015

O medo de que os estrangeiros solapem os esforços dos trabalhadores americanos nativos tem raízes profundas. No século dezenove, eram os imigrantes paupérrimos e não qualificados que pareciam tomar os empregos, com a disposição de trabalhar por menor salário. Hoje, a economia global serve à função de despertar esse medo antigo, só que agora os americanos ameaçados parecem ser não apenas os não qualificados, mas também as classes médias e os profissionais liberais, colhidos no fluxo do mercado de mão de obra global. 

O esforço para controlar de fora o funcionamento do novo capitalismo precisa ter um raciocínio diferente: deve perguntar o valor da empresa para a comunidade, como ela serve mais a interesses cívicos que apenas ao livro-caixa de lucros e perdas.

O ataque ao estado assistencial, iniciado no regime neoliberal, anglo-americano, e que agora se espalha para outra economias políticas mais "renanas", trata os dependentes do estado com a desconfiança de que são parasitas sociais, mais do que desvalidos de fato. A destruição das redes assistenciais e dos direitos é por sua vez justificada como libertando a economia política para agir com mais flexibilidade, como se os parasitas puxassem para baixo os membros mais dinâmicos da sociedade. Veem-se também os parasitas sociais como profundamente alojados no corpo produtivo - ou pelo menos isso é o que passa o desprezo pelos trabalhadores aos quais se precisa dizer o que fazer, que não tomam iniciativa por contra própria. A ideologia do parasitismo social é um poderoso instrumento no local de trabalho; o trabalhador precisa mostrar que não está se aproveitando do trabalho dos outros.

Richard Sennett
Trad.: Marcos S.