28.6.19

cocaína

CC3

A heroína faz de você um zumbi. A maconha relaxa e deixa seus olhos injetados de sangue. A cocaína é outra história, é a droga performática. Com ela você pode fazer qualquer coisa. Antes que ela faça seu coração explodir, antes que seu cérebro vire mingau, antes que seu pau amoleça para sempre, antes que o estômago se torne uma chaga purulenta, antes de tudo isso você trabalhará mais, se divertirá mais, trepará mais. A cocaína é a resposta exaustiva à necessidade mais imperativa da época atual: a falta de limites. Com a cocaína você viverá mais intensamente. Se comunicará mais, primeiro mandamento da vida moderna. Quanto mais você se comunica mais comercia sentimentos, mais vende, vende mais qualquer coisa. Mais. Sempre mais. No entanto, nosso corpo não funciona com os "mais". A certa altura a excitação vai se aplacar e o físico voltará a um estado de tranquilidade. E é aí que intervém a cocaína. É um trabalho de precisão, porque deve se infiltrar entre as células, no ponto exato que as divide - a fissura sináptica - e bloquear um mecanismo fundamental. É como quando você joga tênis e acaba de meter no seu adversário uma bola irrebatível rente à linha:  nesse momento o tempo se congela e tudo é perfeito, a paz e a força convivem em você em total equilíbrio. É uma sensação de bem-estar desencadeada por uma gota microscópica de uma substância, o neurotransmissor, pingada bem na fissura sináptica. A célula se excitou e contagiou aquela ao lado, e assim por diante, até envolver milhões delas num formigamento quase instantâneo. É a vida que acende. Agora você volta para a linha de fundo, e assim também faz seu adversário, estão prontos para disputar outro ponto, a sensação de pouco antes é uma reverberação distante. O neurotransmissor foi reabsorvido, os impulsos entre uma célula e a outra foram bloqueados. É aqui que aparece a cocaína. Ela inibe a reabsorção dos neurotransmissores, e suas células estão sempre acesas, como se fosse Natal o ano inteiro, com as luzinhas cintilando 365 dias sem parar. Dopamina e noradrenalina: assim se chamam os neurotransmissores que a cocaína ama loucamente e que não gostaria nunca de perder. A primeira é a que te permite ser o centro da festa, porque agora tudo é mais fácil. É mais fácil falar, é mais fácil paquerar, é mais fácil ser simpático, é mais fácil sentir-se querido. A segunda, a noradrenalina, tem uma ação mais sub-reptícia. Em torno de você tudo se amplificou. Cai um copo? Você ouve antes dos outros. Uma janela que bate? Você percebe primeiro. Te chamam? Você se vira antes de terem pronunciado por completo seu nome. É assim que funciona a noradrenalina. Aumenta seu estado de vigilância e de alerta, o ambiente a seu redor se enche de perigos e de ameaças, se torna hostil, você sempre espera sofrer um dano ou um ataque. As respostas de medo-alarme são aceleradas, as reações imediatas, sem filtro. É a paranóia, sua porta escancarada. A cocaína é a gasolina dos corpos. É a vida elevada ao cubo. Antes de te consumir, de te destruir. A vida a mais com que você parece ter se presenteado, você pagará com juros de agiota. Mais tarde, quem sabe. Porém mais tarde não conta nada. Tudo é aqui e agora.

Saviano | 2013