7.10.20

Uma historia natural da curiosidade

Cartoon de M. Brieva

Segundo a teoria darwiniana, a imaginação humana é um instrumento de sobrevivência. Para melhor aprender sobre o mundo, e portanto estar mais bem equipado para lidar com suas armadilhas e seus perigos, o Homo sapiens desenvolveu a capacidade de reconstruir a realidade exterior em sua mente e conceber situações que ele pudesse confrontar, antes de efetivamente se deparar com elas. Cientes de nós mesmos e cientes do mundo que nos cerca, somos capazes de construir cartografias mentais desses territórios e de explorá-los de inúmeras maneiras, e depois escolher a melhor e a mais eficiente. Montaigne teria concordado: imaginamos para poder existir, e somos curiosos para poder alimentar nosso desejo imaginário.

A imaginação, como atividade essencialmente criativa, desenvolve-se com a prática, não por meio de êxitos, que são conclusões e, portanto, becos sem saída, mas por meio de fracassos, por meio de tentativas que se revelem estar erradas, exigindo novas tentativas que, se os astros estiverem a favor, levarão a novos fracassos. As histórias da arte e da literatura, como a da filosofia e da ciência, são as histórias desses fracassos iluminados. "Fracasse. Tente outra vez. Fracasse melhor", era como resumia Beckett.

Mas para poder fracassar melhor devemos ser capazes de reconhecer, imaginativamente, esses erros e essas incongruências. Devemos ser capazes de enxergar que tal e tal caminho não nos leva na direção desejada, ou que tal e tal combinação de palavras, cores ou números não se aproxima da visão que nossa mente intuiu. Registramos orgulhosamente os momentos nos quais nossos muitos e inspirados Arquimedes gritaram "Eureca!" quando se banhavam; somos menos pressurosos em lembrar os muitos mais momentos nos quais pessoas como o pintor Frenhofer, da história de Balzac, olham para sua obra-prima ignorada e dizem, "Nada, nada!... Eu produzi um nada!". É por esses poucos momentos de triunfos e os muitos mais de derrota que opera nossa grande pergunta imaginária: por quê?

Nosso atual sistema educacional recusa-se, em grande medida, a reconhecer a segunda metade de nossas buscas. Interessadas em pouco mais do que eficiência material e lucro financeiro, nossas instituições educacionais não mais estimulam o ato de pensar, por si mesmo, e o livre exercício da imaginação. Escolas e colégios tornaram-se mais um campo de treinamento para aptidões do que fóruns para questionamentos e debates. E as faculdades e universidades não são mais viveiros para aqueles pesquisadores que Francis Bacon, no século XVI, chamou de "mercadores da luz". Ensinamos a nós mesmos a perguntar "Quanto isso vai custar?" e "Quanto tempo isso vai levar?" em vez de "Por quê?"

Alberto Manguel