15.12.19

Aos resignados



Odeio os resignados, tanto como os imundos, como os inertes.
Odeio a resignação! Odeio a imundície, odeio a inacção.
Odeio o doente abatido por alguma febre maligna; odeio o doente imaginário que com um pouco de vontade podia pôr-se de pé.
Compadeço-me com o homem encarcerado, rodeado de carcereiros, esmagado pelo peso das correntes e do número.
Odeio os soldados, dobrados pelo peso de uma insígnia ou por três estrelas; os trabalhadores dobrados pelo peso do capital.
Estimo o homem que diz o que sente onde quer que se encontre; odeio o votante em perpétua conquista de uma maioria.
Estimo o sábio esmagado pelo peso da investigação científica, odeio o individuo que se coloca debaixo do peso de uma força desconhecida, de um qualquer X, de um Deus.
Odeio todos aqueles que cedendo aos outros, por medo ou por resignação, uma parte da sua força de homens, não só se deixam esmagar a si mesmos, mas também a mim, a tudo o que eu amo, debaixo da sua infame iniciativa ou da sua estúpida inércia.
Odeio-os, sim, odeio-os porque o sei, sei que não me ajoelho diante das insígnias do oficial, ante o bando do presidente de Câmara, ante o ouro do capitalista, ante todas as suas morais e religiões; há já algum tempo que sei que tudo isto são apenas bugigangas que se quebram como o vidro… Estou esmagado com o peso da resignação de outros. Odeio a resignação.
Amo a vida.
Quero viver, não de forma mesquinha como os que satisfazem apenas uma parte dos seus músculos, dos seus nervos, mas indo mais além, satisfazendo tanto os músculos faciais como os das pernas, tanto os rins como o cérebro.
Não quero entregar uma parte do hoje em troca de um fictício amanhã, não quero ceder nada do presente em troca da brisa do futuro.
Não quero colocar nada de mim por baixo das palavras: “pátria, deus, honra”. Conheço muito bem o vazio destas palavras: fantasmas religiosos e laicos.
Rio-me das pensões, dos paraísos; esperanças utilizadas pelo capital e pela religião para nos manterem resignados. Rio-me de todos os que acumulam para a velhice e se privam na juventude; daqueles que, para comer aos sessenta, jejuam aos vinte.
Trocemos da família, da lei, antigas formas de resignação.
Mas isso não é tudo; uma vez que tenho olhos e ouvidos quero, para além de comer, beber e fazer amor, ter prazer de outras maneiras. Quero ver belas esculturas, belas pinturas, admirar Rodin ou Monet. Quero escutar as melhores óperas de Beethoven ou de Wagner. Quero conhecer os clássicos da comédia, revisitar o acervo literário e artístico que liga os homens do passado aos do presente; ou melhor, revisitar a obra sempre inacabada da humanidade.
Quero prazer para mim, para a companheira que escolher, para os meus filhos, para os meus amigos. Quero uma casa agradável para descansar o corpo quando acabe de trabalhar. Porque quero também o prazer do trabalho, esse prazer saudável, esse prazer forte.
Quero que os meus braços usem a serra, o martelo, a pá, a gadanha. Que os músculos se desenvolvam, que a caixa toráxica se encha com movimentos fortes, úteis e equilibrados.
[...]
Resignados, olhem, cuspo nos vossos ídolos, cuspo em Deus, cuspo na Pátria, cuspo em Cristo, cuspo em todas as bandeiras, cuspo no capital e no Tosão de Ouro, cuspo nas Religiões: bugigangas, escarneço, rio-me de todas elas…
Sem vocês não são nada, se as abandonarem desfazer-se-ão como migalhas.
Contudo, sois uma força, ó resignados, uma dessas forças ignoradas, mas que, apesar disso, não deixa de ser força, e não posso cuspir em cima de vocês, só vos posso odiar…. ou amar.
Por cima de todos os meus desejos está o de ver-vos sacudir a vossa resignação num tremendo despertar de vida.
Não há nenhum paraíso futuro, não há futuro, nada há senão o presente.
Vivamos!
Vivamos! A resignação é a morte.
A rebelião é a vida.

Joseph Albert | 1875 -1908
Anarquista e escritor nascido na França identificado com a vertente individualista. Foi editor da revista L'Anarchie, que teve grande influência nos meios libertários de sua época.