7.5.20

A destruição da democracia


Um ataque horrível está acontecendo contra os valores humanistas e republicanos na contemporaneidade. A democracia está no exílio e instituições democráticas como mídia independente, escola, sistema judiciário, partidos políticos, sindicatos de trabalhadores, movimentos sociais e universidades públicas estão sitiadas ao redor de todo o mundo. Alguns dos exemplos mais recentes podem ser encontrados tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Os ataques contínuos dos governos Trump e Bolsonaro à educação, à cultura e aos serviços públicos se tornaram explícitos com a divulgação dos orçamentos para o ano de 2020. Em ambos os casos, há uma redução impressionante no financiamento para as áreas sociais e uma agressiva política de desmonte do Ministério da Educação. No Brasil, chegou-se ao absurdo de fechar os ministérios da Cultura e do Trabalho.

Essa política agressiva favorece o ressurgimento de grupos de direita e fortalece as milícias armadas. Além disso, há uma crescente intrusão desses grupos nas escolas, aplicando práticas educacionais e currículos que transformam crianças em prisioneiros. Ataques semelhantes à educação pública também ficam cada vez mais evidentes em nível regional, com os governos estaduais cortando o financiamento para o setor, estrangulando os orçamentos das instituições de ensino, fechando escolas, eliminando vagas em universidades, reduzindo o número de professores, ameaçando os trabalhadores da educação e destruindo a premissa do valor da escola como um bem público.

É difícil imaginar um momento mais urgente do que este para tornar a educação e a cultura centrais para a luta política. As promessas de uma sociedade fundamentada na democracia estão sendo ameaçadas à medida que políticos de direita e extrema direita trabalham para subverter a linguagem, os valores, a coragem e a visão de mundo necessários para investir na educação pública e no ensino superior como instituições sociais cruciais para a formação de cidadãos críticos e engajados politicamente.

Se quisermos realmente desenvolver uma política capaz de despertar nossas sensibilidades críticas, imaginativas e históricas, é crucial que educadores, trabalhadores da cultura e outros setores progressistas da sociedade desenvolvam coletivamente uma nova linguagem de crítica e de possibilidade. Essa nova linguagem é utilizada para garantir as condições necessárias para a resistência e a ação coletiva capazes de alcançar a superação de pesadelos neofascistas e tirânicos que sequestraram a Europa, os Estados unidos, o Brasil, Israel e vários outros países do mundo ocidental, atormentados pela ascensão dos partidos neofascistas e neonazistas de extrema direita. Nesta nossa era individualista, caracterizada por grande isolamento social, excesso de informação, cultura de imediatismo, consumismo, competitividade e violência espetacular, é ainda mais importante levar a sério a noção de que uma democracia não pode existir, ou ser defendida, sem que tenhamos cidadãos bem informados, críticos e com senso de ação coletiva.

Contra a indiferença entorpecente, o desespero e o aprisionamento em órbitas privadas do self/eu isolado, é necessário apoiar instituições educacionais, produções culturais e movimentos sociais que estimulem os jovens, e todos os demais descontentes, a exibir uma coragem cívica. Urge promover e desenvolver competências que preparem os sujeitos para uma atuação na arena pública, onde o poder é disputado por meio da política. É preciso reaprender a ouvir os outros, a construir consensos, a sustentar pensamentos complexos e a se envolver em problemas sociais mais amplos. Não temos outra escolha. Se quisermos resistir à crescente desestabilização das instituições democráticas pelo fascismo neoliberal, precisaremos fazer o deslocamento dos desejos do sujeito individualizado para as necessidades sociais coletivas. Não conseguiremos restaurar a democracia na sociedade sem que as pessoas se articulem em grupos para construir alternativas e articular forças no campo da política.

Além disso, é preciso resistir ao obscurantismo e ao crescente ataque à razão; resistir às mentiras, às manipulações, ao colapso da distinção entre fato e ficção e ao prazer sádico do gosto pela brutalidade e pela violência que agora se espalha como uma praga por vários países. Para governos com fortes características autoritárias, como os de Trump, Bolsonaro, Witzel e Doria, a educação e a cultura são realmente perigosas, porque subvertem a lógica da dominação e fornecem a professores, alunos e à sociedade não alienada um espaço protegido para pensar diferente da opinião governista difundida pelos meios de comunicação conservadores. É preciso questionar, pensar, desafiar, criar e imaginar outro mundo possível, de diferentes pontos de vista e perspectivas. A educação e a cultura, em uma sociedade livre, progressista e democrática, nos estimulam a refletir sobre nós mesmos e sobre nossa relação com os outros, capacitando-nos a entender o que significa assumir um senso de responsabilidade política e compromisso social. Essa reação é urgente, principalmente diante do rápido avanço da censura, do abuso de poder, da repressão e da destruição provocados pelo fascismo neoliberal.

Não haverá democracia sem cidadãos educados, bem formados e informados. Tampouco haverá justiça sem uma linguagem crítica à injustiça, à desigualdade social e ao uso das instituições do sistema judiciário para legalizar e legitimar o autoritarismo. A democracia está sendo destruída e já começa a fracassar. A vida política se empobrece na ausência de esferas públicas vitais, como a educação pública, o ensino superior e a produção cultural sem censura. São nessas esferas públicas que valores humanos, pesquisas científicas, criatividade cultural e engajamento social permitem uma compreensão mais imaginativa de um futuro que leve realmente a sério as demandas por justiça, igualdade social e cidadania crítica. 

A democracia deve ser insistentemente defendida por uma forma de educação crítica, que conecte a pedagogia à prática da liberdade, ao aprendizado da ética e ao estímulo à ação coletiva dentro dos princípios do compromisso social e do bem-estar público. Em tempos de autoritarismo reinante, não basta conectar educação e cultura à defesa da razão, da decisão informada e do pensamento crítico. É preciso partir para a ação. As forças progressistas e democráticas devem estar alinhadas com o poder popular e o potencial de resistência e de ação coletiva. Estamos vivendo tempos sombrios. A transformação social é sempre possível. A organização e a luta serão capazes de interromper o avanço do fascismo neoliberal. A luta pelos direitos sociais, pela educação e pela cultura está longe de terminar. Agora, mais do que nunca, a gravíssima situação política precisa ser enfrentada com união, estratégia, inteligência e coragem para mudar os rumos da história.

Henry Giroux
Trad.: Gustavo F.