É bem conhecida a conexão entre opressão e moral enquanto renúncia às pulsões. Mas as ideias morais não oprimem apenas as outras: derivam diretamente da existência dos opressores. Desde Homero o uso da fala grega faz convergirem os conceitos do bom e do rico. A kalokagatia, que os humanistas da sociedade moderna celebravam como modelo de harmonia estética-moral, sempre acentuou pesadamente a propriedade, e a Política de Aristóteles confessa sem rebuços a fusão do valor íntimo com o status na definição da nobreza, que seria "riqueza herdada, combinada com excelência". A concepção da polis na era clássica, que sustentava a unidade entre o ser interno e o externo, a vigência do indivíduo na cidade-estado e sua identidade, permitiu atribuir estatuto moral à riqueza sem com isso se expor à grosseira suspeita à qual a doutrina já fazia jus então. Quando a influência visível no estado vigente oferece a medida para o homem, então não é mais do que consequente atribuir-lhe como propriedade a riqueza material, que testemunha da maneira mais palpável tal influência; pois a sua própria substância moral, tal como mais tarde na filosofia de Hegel, deve ser constituída na sua participação no social objetivo. Foi somente o cristianismo que negou essa identificação, na sentença de que seria mais fácil para um camelo passar pelo buraco da agulha do que para um rico chegar ao céu. Não obstante, o prêmio teológico especial para a pobreza voluntariamente escolhida demonstrava quanto a consciência geral traz a marca da moralidade da posse. A propriedade fixa distingue-se da desordem nômade, contra a qual se dirige toda norma; ser bom e ter bens confluem desde o início. Bom é aquele que se domina a si mesmo como à sua propriedade: seu ser autônomo é modelado na disposição material. Nada, pois, de acusar os ricos de imoralidade - censura que desde sempre integra a armadura da opressão política - mas, sim, dar-se conta de que eles representam para os demais a moral. Nela se refletem os haveres. Tal como ser bom, ser rico é um elemento do cimento do mundo: a tenaz aparência dessa identidade impede a confrontação das ideias morais com a ordem na qual os ricos têm razão, enquanto outras determinações concretas da moralidade não derivadas da riqueza não se faziam concebíveis. Quanto mais se separam depois indivíduo e sociedade na concorrência dos interesses e quanto mais o indivíduo é lançado sobre si mesmo, mais ferrenha se torna sua adesão à ideia da essência moral da riqueza. Cabe a ele acolher a possibilidade da reunião do dividido, do interior e do exterior. É esse o segredo da ascese intramundana, do ilimitado esforço do homem de negócios ad majorme dei gloriam, que Max Weber equivocadamente hipostasiou. O sucesso material não apenas une indivíduo e sociedade no sentido confortável e entrementes questionável de que o rico pode escapar da solidão, como também num sentido muito mais radical: basta levar adiante o interesse próprio cego e isolado para, junto como o poder econômico, ele passar a poder social e se manifestar como encarnação do princípio que junta tudo. Quem é rico ou adquire riqueza vê-se como aquele que consegue "por sua própria força", como ego, aquilo que o espírito objetivo, a realmente irracional escolha de salvação de uma sociedade mantida coesa por brutal desigualdade econômica, deseja. Destarte pode o rico atribuir-se como bondade aquilo que apenas atesta sua ausência. Ele próprio e outros o veem como encarnação do princípio geral. É por ser isso a injustiça que o injusto em regra se converte em justo, não por mera ilusão e sim arrimado na onipotência da lei segundo a qual se reproduz a sociedade. A riqueza do indivíduo é inseparável do progresso na sociedade da "pré-história". Os ricos dispõem sobre os meios de produção. Os avanços técnicos, nos quais participa a sociedade, são por isso primariamente contabilizados como progressos "seus" - hoje, da indústria - e os Ford aparecem necessariamente como outros tantos beneméritos, tal como de fato também são no quadro das relações de produção vigentes. Seu privilégio antecipadamente estabelecido permite a aparência de que eles cedessem do seu - a saber, o aumento no lado do valor de uso - enquanto as benesses por eles administradas de fato só permitem o refluxo de parcelas dos seus ganhos. É nisso que reside o caráter de ofuscação da hierarquia moral. É verdade que a pobreza sempre foi consagrada enquanto ascese, a condição social para a aquisição daquela riqueza na qual se manifestaria a moral; apesar disso, sabemos que "quanto vale" um homem depende da conta bancária e, no jargão comercial alemão é "bom" o homem que pode pagar. Aquilo, porém, que a razão de Estado da economia onipotente admite com tanto cinismo penetra inconfessado nos modos de conduta dos indivíduos. A generosidade nas relações privadas, como alegadamente os ricos podem se permitir, a aura de felicidade que nela repousa e da qual ainda se irradia algo sobre aqueles que admite por perto, tudo isso tem efeito no véu. Eles permanecem simpáticos, the right people, as pessoas melhores, os bons. A riqueza afasta da injustiça direta. O guarda golpeia com seu cassetete de borracha o grevista, o filho do industrial pode ocasionalmente tomar uísque com o escritor progressista. Conforme todas as exigências da moral privada, por avançadas que sejam, o rico poderia - se pelo menos pudesse - de fato ser melhor do que o pobre. Essa possibilidade real embora não aproveitada tem o seu papel na ideologia daqueles que não a têm: mesmo do vigarista apanhado, que de todo modo poderia ser preferível ao senhor legítimo do truste, se diz que afinal ele tinha uma casa tão bonita, e o bem remunerado executivo torna-se pessoa cálida quando serve opulentos jantares. Por conseguinte, a bárbara religião do sucesso de hoje não é simplesmente contrária à moral, mas nela o Ocidente tem como acolher os veneráveis costumes dos ancestrais. Mesmo as normas que maldizem a armação do mundo se devem à sua própria monstruosidade. Toda moral formou-se segundo o modelo da não moral, e até hoje a reproduz em cada passo. De fato a moral de escravos é má: ela ainda é moral de senhores.
Theodor W. Adorno
Trad.: Gabriel C.
