Life Magazine | 1955
A pegada humana de plástico é provavelmente mais perigosa
que a pegada do carbono.
Charles Moore
Em 1663, Robert Boyle escrevia que se deve distinguir a técnica mecânica em que o artífice (ferreiro, pedreiro, relojoeiro), "enquanto agente inteligente e voluntário, dá, com auxílio das suas ferramentas, uma forma ou figura adventícia à matéria que trabalha", e a técnica química, "em que a própria natureza, mais do que o artífice, parece desempenhar o papel principal" - é o caso dos ofícios de padeiro, jardineiro, curtidor de peles. A partir de meados do século XIX, essa dualidade repete-se na história da indústria. Assiste-se então à passagem de uma primeira fase da Revolução Industrial, na qual a indústria substituíra a manufatura pela maquinofatura, reorganizando brutalmente a força de trabalho e potenciando sua produtividade, para uma segunda fase, caracterizada por uma nova capacidade de agir e transformar as estruturas moleculares da matéria.
Essa passagem ao mesmo tempo estimula e é possibilitada por uma quiet revolution na química orgânica, como a designa Alan J. Rocke:
Em 1860 havia cerca de 3.000 substâncias bem caracterizadas na literatura química; esse número crescera sem parar durante as décadas precedentes, dobrando a cada vinte anos aproximadamente. Por volta de 1860, essa tendência acelera-se, de modo que a duplicação passa a ocorrer a cada nove anos, sendo que essa tava permanece desde então.
Em consequência dessa revolução, a indústria química, sob liderança alemã, tomará a dianteira da Revolução Industrial. Já em 1848, no Manifesto Comunista, Marx e Engels ressaltam "a aplicação da química na indústria e a na agricultura". Mas é somente entre finais do século XIX e início do século XX que da costela da química industrial nasce a indústria petroquímica, cuja data simbólica é o ano de 1907, quando Leo Baekeland, um belga radicado em Nova York, inventou o baquelite, sintetizado a partir do alcatrão da hulha. O baquelite é o primeiro de uma série de plásticos conhecidos como resinas de fenol, série que inaugura a Idade do Plástico. A alta densidade tecnológica do plástico torna sua história indissociável da história da formação das grandes corporações, desde a Union Carbide and Carbon Chemicals Inc. - um conglomerado industrial formado em 1917 por várias indústrias menores e que em 1939 viria a absorver a própria Bakelite Corporation de Leo Baekeland - até a Dow Chemical que absorveu por sua vez a Union Carbide em 1999. Histórias semelhantes ocorrem com a Bayer, a American Catalin Corporation, a DuPont etc.
A criação do universo material do mundo contemporâneo é também uma recriação mental. Um marco da história do século XX é a fundação da revista Plastics em Nova York em 1925, pois o título desse periódico consolida o termo genérico desses diferentes polímeros derivados do petróleo. Consumava-se nessa operação uma metamorfose semântica. Plasma e plastica designavam, em grego e em latim, o objeto modelado e a arte de modelar em argila, com suas ressonâncias míticas, de Prometeu a Yahweh. A palavra inglesa plastic adquirirá ressonâncias não menos demiúrgicas. Assim como a grande sensação da Exposition Universelle de Paris de 1889 fora a estrutura de ferro da Torre Eiffel que se erguia à sua entrada como um moderno Arco do Triunfo, na World's Fair de Nova York de 1939 - cujo mote, Dawn of a New Day, aurora de um novo dia, era a celebração do futuro - a grande atração será a exibição do nylon pela DuPont, anunciado como um substituto da seda e como a "segunda pele" do homem. Desde o segundo pós-guerra, o plástico começa a ser apresentado como a solução para uma vida liberada do trabalho doméstico, na qual tudo poderia ser descartado após o uso. Uma foto da revista Life Magazine de 1955 mostra um casal descartando euforicamente seus utensílios domésticos, sob o título Throwaway Living, acompanhado pelo texto: Oh Joy, Oh Bliss! Disposable products are an innovative way to make life easier.
Em toda a sua história, o homem fiara e tecera fibras animais e vegetais para se abrigar do frio. Doravante, materiais secretados por sua própria indústria o cobririam. Da mesma maneira, a madeira havia sido na idade pré-industrial, e por milênios, a matéria por excelência dos artefatos humanos. Em latim, materia significava, ao mesmo tempo, madeira e matéria. Havia então uma continuidade fenomenológica entre a "matéria-prima" e os objetos manufaturados. O homem podia reconhecer em sua habitação, em seus utensílios e em sua arte a madeira, a pedra, a argila, o ferro, assim como reconhecia nas plantas e nos animais as fibras, a lã ou o pelo de suas vestes. A partir da segunda metade do século XX, o mundo que cerca os sentidos do homem urbanos industrial se apresenta como produto de uma síntese artificial de matéria, que se substitui ao mundo. "Hoje", recordando a fórmula de Christian Godin, "nosso sentimento da natureza pareceria mais ao sentimento que um surdo de nascença nutre em relação à música".
O mundo como um continuum de polímeros
A Idade do Plástico revelou-se ser, na realidade, a Idade do Lixo. De há muito, o objeto de plástico perdeu seu glamour para se tornar quase sempre sinônimo de uma mercadoria qualquer, "feita na China", barata, efêmera, enésimo exemplar de um molde que o gera infinitamente, objeto nem mais sequer feio, pois a feiura pertence à gama dos valores estéticos, objeto indigno de pátina, de história e de memória, algo que não se torna lixo porque é congenitamente lixo, na realidade o mais onipresente lixo do planeta. Se o nylon foi saudado em 1939 como a segunda pele do homem, hoje, como afirma Jan Zalasiewicz, "todos os plásticos fabricados já são capazes de envolver a Terra inteira numa nova pele de plástico". Fala-se hoje em plastisfera ou plasticeno, haja vista a capacidade do plástico de impactar a geologia e os oceanos do planeta. Um estudo de 2016, The New Plastics Economy - Rethinking the future of plastics, mostra que em 50 anos (1964-2014) a produção de plástico multiplicou-se por 20. Em 1964, produziram-se 15 milhões de toneladas de plástico, e, em 2014, 311 milhões de toneladas.
Segundo esse estudo, essa produção deve dobrar nos próximos 20 anos e quase quadruplicar até 2050, atingindo 1.124 milhões de toneladas. De seu lado, os autores de um trabalho publicado na Science Advances em 2017 afirmam:
Estimamos que 8.300 milhões de toneladas de plásticos virgens [não reciclados] foram produzidos até hoje. Até 2015, cerca de 6.300 milhões de toneladas de lixo plástico foram geradas, por volta de 9% das quais foram recicladas, 12% foram incineradas e 79% acumulam-se em depósitos de lixo ou no meio ambiente. A se manterem essas tendências de produção e gestão de lixo, cerca de 12.000 milhões de toneladas de lixo plástico estarão em depósitos de lixo ou no meio ambiente até 2050.
Em 2016, quase 500 bilhões de garrafas PET (polietileno tereftalato) foram produzidos no mundo todo, sendo a Coca-Cola responsável por um quinto deles. Isso significa quase um milhão delas por minuto e um aumento de quase 200 bilhões de garrafas em relação à produção de 2004. E a estimativa de um relatório sobre as tendências das embalagens propostas pelo Euromonitor International é de que se produzam 583,3 bilhões dessas garrafas em 2021. Os países de alta renda da OCDE vinham exportando grande parte de seu lixo plástico (70% em 2016) para vários países da Ásia e notadamente para a China, que desde 1992 importou 106 milhões de toneladas desse lixo, absorvendo 45,1% dessas importações pelos países asiáticos e do Pacífico. Com o banimento desse comércio a partir de 2018 pelo governo chinês, a disposição do lixo plástico nos países exportadores tende a se agravar. Enfim, os filtros dos cerca de seis trilhões de cigarros fumados globalmente por ano acabam sendo lançados fora do lixo, e tanto mais à medida que o cigarro vai sendo banido dos ambientes internos. Isso equivale a 750 mil toneladas de plástico por ano que envenenam o ambiente, inclusive com os resíduos carcinogênicos do cigarro.
Luiz Marques
Editora Unicamp