They Live, de John Carpenter | 1988
They Live é definitivamente uma das obras-primas esquecidas de Hollywood da esquerda. Ele conta a história de John Nada, um sujeito puro, desprovido de bens materiais, um trabalhador sem teto em Los Angeles, à deriva. Um dia entre numa igreja abandonada e encontra uma caixa cheia de óculos de sol. E quando ele põe um deles caminhando pelas ruas de L.A., descobre algo estranho. Estes óculos funcionam como óculos de crítica à ideologia. Eles permitem que você veja a mensagem real por trás de toda propaganda, publicidade reluzente, pôsteres, etc. Vivemos, segundo nos dizem, em uma sociedade pós-ideológica, somos desafiados, isso quer dizer, dirigidos pela autoridade social, não como sujeitos, que devem cumprir seu dever, sacrificar-se, mas sujeitos de prazeres. Quando se põe os óculos, você vê uma ditadura na democracia. É uma ordem invisível que sustenta sua aparente liberdade. A explicação para estes estranhos óculos ideológicos é a história típica da "Invasion of the body snatchers". A humanidade já está sobre o controle dos aliens.
De acordo com o nosso senso comum, pensamos que a ideologia é algo que escurece o céu com nuvens, confunde nossa visão direta. A ideologia deveria ser óculos que distorcem a visão e a crítica a ideologia deveria ser o oposto, você tira os óculos para que finalmente possa ver como são realmente as coisas. Isto, justamente, é o pessimismo do filme They Live, bem justificado. Esta é precisamente a ilusão final: a ideologia não só é imposta a nós, ideologia é o nosso relacionamento espontâneo com o nosso trabalho social, como nós percebemos todos os sentidos. Nós, de alguma maneira, apreciamos nossa ideologia. A saída da ideologia é mostrado de uma maneira maravilhosa em uma cena do filme onde John Nada tenta forçar seu melhor amigo, John Armitage a também usar os óculos. É a cena mais estranha no filme. A luta leva oito, nove minutos. Pode parecer irracional, por que esse cara rejeita tão violentamente colocar os óculos? É como se ele estivesse bem consciente que, espontaneamente, vive numa mentira, que os óculos o farão perceber a verdade, mas que esta verdade pode ser dolorosa. Pode despedaçar muitas de suas ilusões. Este é um paradoxo que temos de aceitar. A extrema violência da libertação. Você tem de ser forçado a ser livre. Se você só confia no seu senso espontâneo de bem-estar ou o que quer que seja você nunca será livre. A liberdade dói.
Slavoj Zizek