13.7.20

Um camundongo

Arte de Meg R.

Ele é estúpido, concordo, mas talvez o homem normal deva mesmo ser estúpido, sabeis? Talvez isto seja até muito bonito. Estou tanto mais convencido desta suspeita, por assim dizer, que se tomarmos, por exemplo, a antítese do homem normal, isto é, o homem de consciência hipertrofiada, o homem saído, naturalmente, não do seio da natureza, mas de uma retorta (já é quase misticismo, senhores, mas eu suspeito isto também), o que se verifica, então, é que este homem de retorta a tal ponto chega a ceder terreno para a sua antítese que a si mesmo considera, com toda a sua consciência hipertrofiada, um camundongo e não um homem. Talvez seja um camundongo de consciência hipertrofiada, mas sempre é um camundongo. Ora, trata-se de um homem e, por conseguinte, de tudo o mais também. E o mais importante é que ele mesmo se considera a si mesmo um camundongo; ninguém lhe pede isto, e este é um ponto importante. Mas vejamos agora este camundongo em ação. Suponhamos, por exemplo, que ele esteja ofendido (quase sempre está) e queira vingar-se. Acumula-se nele, provavelmente, mais rancor que no homme de la nature et de la verité. É possível que um desejo baixo, ignóbil, de retribuir ao ofensor o mesmo dano, ranja nele ainda mais ignobilmente que no homme de la nature et de la vérité, porque deste, devido à sua inata estupidez, considera sua vingança um simples ato de justiça; já o camundongo, em virtude de sua consciência hipertrofiada, nega haver nisso qualquer justiça. Atinge-se, por fim, a própria ação, o próprio ato de vingança. O infeliz camundongo já conseguiu acumular, em torno de si, além da torpeza inicial, uma infinidade de outras torpezas, na forma de interrogações e dúvidas; acrescentou à primeira interrogação tantas outras não resolvidas que, forçosamente, se acumula ao redor dele certo líquido repugnante e fatídico, certa lama fétida, que consiste nas suas dúvidas, inquietações e, finalmente, nos escarros - que caem sobre ele em profusão - dos homens de ação agrupados solenemente ao redor, na pessoa de juízes e ditadores, e que riem dele a mais não poder, com toda a capacidade das suas goelas sadias. Naturalmente, resta-lhe sacudir a patinha em relação a tudo e, com um sorriso de fictício desprezo, no qual ele mesmo não acredita, esgueirar-se vergonhosamente para a sua fendazinha. Ali, no seu ignóbil e fétido subsolo, o nosso camundongo, ofendido, machucado, coberto de zombarias, imerge logo num rancor frígido, envenenado e, sobretudo, sempiterno.

Fiódor Dostoiévski 
Trad.: Boris Schnaiderman