20.10.20

As mulheres do nazismo


Esposas

Milhares de secretárias da Gestapo foram testemunhas diretas e cúmplices administrativas de crimes em massa. Entretanto, enquanto empregadas como secretárias, não estavam em posição de cometer violências e crimes pessoalmente. Paradoxalmente, algumas das piores perpetradoras eram mulheres sem a função oficial de ajudar nos crimes, mulheres que externavam seu ódio em atos e expressavam seu poder em ambientes informais. Eram mulheres que iam para o Leste acompanhando os maridos – oficiais de alta patente do Partido Nazista, da SS e da polícia, e da administração da ocupação. Essas mulheres demonstravam duas maneiras de entender o casamento. Por um lado, personificavam a esposa cumpridora dos deveres do lar, submissa ao marido e aparentemente satisfeita com as tarefas domésticas e a criação de filhos. Por outro lado, quando o Führer e a Volksgemeinschaft exigiam, o casamento se tornava essencialmente uma parceria no crime. Na hierarquia do poder nazista, a raça compartilhada por marido e mulher podia suplantar a desigualdade de gênero. As mulheres imitavam os homens no trabalho sujo do regime, o trabalho necessário à futura existência do Reich, porque eram racialmente iguais.

Como noivas da SS, 240 mil alemãs foram aceitas na nobreza racial da sociedade. Segundo o Decreto de Noivado e Casamento, criado por Himmler, a existência da Alemanha dependia da consolidação e reprodução de uma descendência de homens e mulheres da raça superior nórdico-germânica com inabalável convicção nacional-socialista. A elite racial seria concentrada na SS. Cabia a Heinrich Himmler, nomeado por Hitler Comissário para o Fortalecimento da Germanidade do Reich, em 1939, a regulamentação do sangue alemão e não alemão. As numerosas organizações sob seu comando, como o Escritório de Raça e Assentamento da SS, se empenhavam em identificar e promover aqueles com sangue puro alemão – que obviamente jamais poderia ser classificado clinicamente como um tipo sanguíneo – e a uma rejeição paranoica de seus poluentes. A miscigenação racial entre alemães e judeus, ou entre alemães e “ciganos, negros e seus bastardos”, era crime. A política oficial ditava a esterilização obrigatória para evitar supostas ameaças ao puro sangue germânico, a criminalização de abortos e a severa regulamentação do casamento para fomentar uniões férteis.

Vendo em retrospecto a loucura dessa ideologia, é muito difícil compreender como uma geração foi consumida por ela, e com tanta premência e seriedade. Para quem tinha que colocar em prática a ideologia racial nazista, havia contradições inerentes a superar e noções obscuras a esclarecer. Para essa finalidade, juristas, cientistas, médicos e burocratas desenvolveram sistemas, leis e procedimentos, como a Lei de Proteção ao Sangue e à Honra Germânicos e a Lei de Cidadania do Reich, também conhecidas como as Leis de Nuremberg. A relação sexual tornou-se uma forma de acasalamento racial, que precisava ser aprovada pelo Estado nação. O exigente Heinrich Himmler intitulou-se a única autoridade para atestar casamentos de homens da SS, concentrando-se nas fichas de oficiais mais graduados e nos casos de ancestralidade questionável. De cada casal solicitante – o homem da SS e a futura esposa – Himmler exigia uma ampla documentação atestando a ascendência ariana (histórico genealógico detalhado remontando aos anos 1750, e muitas vezes antes), lealdade ideológica, aptidão física, características raciais aceitáveis (altura, peso, cor dos cabelos, formato do nariz, medidas da cabeça, perfil) e fertilidade. Centenas de milhares de noivas de homens da SS foram submetidas a exames ginecológicos invasivos e a testes de prendas domésticas e instinto maternal. Uma solicitação de casamento que foi parar na escrivaninha de Himmler em 1942 era de Vera Stähli e Julius Wohlauf.

Vera Stähli, pouco depois Vera Wohlauf, era astuta e adorava chamar atenção, traços adquiridos talvez em sua juventude difícil. Seu pai, engenheiro mecânico, morreu quando ela estava com 5 anos de idade. Vera e sua mãe se mudaram de Hamburgo e foram morar com parentes na Suíça, mas depois voltaram para Hamburgo, onde, em 1929, aos 17 anos, ela completou sua educação numa escola técnica. Mesmo com a chegada da Depressão, Vera conseguiu manter empregos em escritórios de várias firmas, mas não era possível atingir o objetivo de se sustentar sozinha.

Depois que sua mãe morreu de repente, Vera seguiu seu caminho. Passou seis meses na Inglaterra, e quando retornou à Alemanha os nazistas estavam em ascensão. Vera nunca fora politicamente ativa, mas agora a participação em alguma organização do Partido Nazista parecia ser vantajosa. Além disso, o crescimento do partido significava a abertura de novos empregos. De 1933 a 1935, Vera foi empregada da Frente de Trabalho Alemã, que sistematicamente desmantelava e absorvia os sindicatos e expulsava judeus, socialistas e comunistas. Tornou-se membro ativo da Associação de Comércio do Reich. Não era modesta quanto a suas realizações. Em seu currículo, afirmava ser responsável pela expansão comercial da indústria de restaurantes alemã.

Vera preenchia os requisitos de feminilidade ideal nazista: 1,80 m, 72 kg, “cabeça redonda, olhos azuis, cabelos louros, nariz reto”.

Ela soube convencer os examinadores da SS de que era uma mulher econômica e criativa, que saberia administrar bem a casa. Gostava de tudo em ordem, tinha bom gosto e era inteligente. Tinha cumprido os requisitos dos cursos de economia doméstica e cuidadora de crianças, e ganhara medalhas de atletismo.

O casamento com Julius Wohlauf seria sua segunda união. Em meados da década de 1930, em Hamburgo, ela havia conseguido galgar alguns degraus na escada social, como muitas jovens secretárias sonhavam em fazer, através de um encontro de trabalho e logo depois casamento com um comerciante rico. Mas, para decepção de Vera, o casamento não resultou em filhos, apesar de seus “mais íntimos desejos” de tê-los. Isso, disse ela no processo de divórcio, foi devido ao “comportamento do marido”, que foi recrutado em maio de 1940, após muitos anos de casamento. Ela alegou que poderia ter realizado facilmente o desejo de ter filhos, já que ele estava frequentemente perto de Hamburgo e vinha em casa em dias de licença. Mas ele recusou. Vera pediu o divórcio e, passado algum tempo, ele concordou. A fim de apressar o processo, Vera assumiu toda a culpa. Mais tarde, quando ela revelou no tribunal que não tivera relações sexuais com o marido nos últimos oito meses, o juiz questionou sua fidelidade e perguntou se ela tinha iniciado outro relacionamento. Vera negou. O divórcio foi oficializado em junho de 1942. Na verdade, semanas antes, ela e Julius Wohlauf tinham preenchido os formulários de solicitação de casamento no Escritório de Raça e Assentamento da SS.

Vera e Julius tinham pressa em se casar porque o capitão Wohlauf, “encarregado” do comando da unidade do 101º Batalhão da Polícia da Ordem, estava escalado para servir em Lublin, na Polônia. Wohlauf era um dos comandantes de campo que gozava da confiança de Himmler e tinha acabado de receber o valioso anel de caveira da SS por serviços prestados no Leste. A tinta das iniciais de Himmler mal tinha secado no papel de autorização de casamento e os dois pombinhos já estavam fazendo planos para passar a lua de mel na Polônia. Estavam eufóricos. Julius Wohlauf tinha uma esposa linda e apaixonada, com um grande dote em dinheiro e bens que eram mais que o triplo dos dele. Vera Wohlauf fora aceita na nova elite da SS. Na solicitação de casamento, os examinadores raciais fizeram a observação de que Vera tinha toda a postura de uma nacionalsocialista e apoiava o movimento com coragem e vigor. Mas Vera não tinha temperamento para ficar em casa. Queria estar junto com Wohlauf, que estava no centro da batalha. E decidiu se unir ao seu prometido na Polônia, no final de julho.

Liesel Riedel e seu noivo da SS, Gustav Willhaus, também estavam ansiosos para se casar e usufruir das vantagens de um status social mais elevado. Apresentaram a solicitação em 1935. No manuscrito de seu histórico, Liesel escreveu que tinha crescido perto das fundições de Neunkirchen e se identificou como filha de um contramestre sênior. Depois de estudar até o nono ano numa escola católica, foi trabalhar numa imensa granja. Durante três estações, ela ajudou nos trabalhos domésticos e fazia serviços esporádicos no escritório do administrador da granja. Todavia, Liesel estava insatisfeita com aquele trabalho subalterno e se matriculou num curso de um ano e meio numa escola técnica. Desenvolveu seus talentos em gestão doméstica e culinária. Foi o suficiente para conseguir um estágio de cozinheira numa cantina da cidade, mas também não ficou muito tempo lá. Pulava de emprego em emprego. Como atendente numa firma de investimentos, o que ganhava a mantinha abaixo da linha de pobreza, e então resolveu se candidatar a um cargo patrocinado pelo Partido Nazista no jornal local, o NSZ-Rheinfront.

Foi nesse círculo jornalístico nazista, onde começou a trabalhar em 1934, que Liesel se afiliou fortemente ao movimento e conheceu Gustav Willhaus, um mecânico, filho de um maître. Gustav tinha participado da tropa de choque nazista em 1924, e da SS em 1932. Era um brigão de rua e, quando conheceu Liesel, tinha cicatrizes que comprovavam sua fama. Apesar de mal conseguir falar direito e ser considerado analfabeto pelos colegas, Willhaus foi nomeado gerente de vendas do jornal nazista Westmark, situado em Saarbrücken, a 10 quilômetros do escritório do jornal de Liesel. Durante o namoro, Liesel se filiou à organização de mulheres nazistas e, como era de praxe, fez sua parte nos trabalhos de caridade nas organizações de bem-estar e assistência social do Partido Nazista.

A julgar pela documentação oficial sobre o casal, é difícil imaginar o que esses jovens amantes viram um no outro. Em suas cartas sucintas ao quartel-general da SS em Berlim, eles faziam pedidos, mas não mandavam o que era exigido deles. Como se não bastasse, os dois são descritos como vigaristas do interior que se aproveitavam do sistema. Hitler queria que o movimento unificasse todos os alemães que tivessem valor racial, inclusive o Volk operário como Liesel e Gustav. O partido se orgulhava de ser contra a intelectualidade e contra a ordem estabelecida, e essa atitude servia perfeitamente aos dois. O fato de terem vindo da região politicamente instável de Saarland pode tê-los ajudado a progredir na SS e no partido, ou pelo menos a persuadir a banca examinadora em Berlim a fazer vista grossa para suas deficiências e seu caráter dúbio.

ma entidade territorial criada pelo Tratado de Versalhes, a Saarland era historicamente uma zona de fronteira disputada pela França e a Alemanha, muito rica em minério de ferro, útil para a fabricação de armas. Em Versalhes, os Aliados tinham tentado conter a máquina de guerra alemã, dar fim ao perpétuo conflito franco-prussiano e estabilizar etnicamente a região. No entanto, o fato de os franceses terem ocupado a Saarland para cumprir a determinação da Liga das Nações impulsionou a campanha alemã para desfazer a paz dos vitoriosos. Hitler e Goebbels espalharam propaganda nazista e promoveram agitações políticas na Saarland, preparando a região para a anexação. Em 1935, o ano previsto para o fim do mandato da Liga das Nações, houve um plebiscito. Noventa e um por cento da população votou pela união ao Terceiro Reich. Liesel Riedel e Gustav Willhaus trabalharam no centro dessa campanha de agitação e propaganda nazista, que cresceu até resultar numa guerra civil. Riedel colaborou trabalhando na imprensa, enquanto Willhaus agia entre os bandidos fardados que espancavam comunistas e socialistas. No discurso de vitória em Saarbrücken, Hitler declarou: “Afinal, o sangue é mais forte do que qualquer documento de mero papel. O que a tinta escreveu será um dia apagado pelo sangue.” Versalhes, o Tratado de Lucarno, os pactos antiagressão – para Hitler, tudo isso era apenas tiras de papel. Só tinham importância o Volk, a guerra e a expansão imperial.

Em 30 de outubro de 1935, em meio à histeria nacional pelo primeiro grande triunfo político de Hitler na Europa, Liesel e Gustav se casaram. Mas aquele par de caras de pau se casou sem a aprovação oficial da SS, o que teria dado motivo para o afastamento de Gustav. Ele não conseguiu obter toda a documentação de sua árvore genealógica. Uma parte de sua família era do Leste da Prússia e a outra parte era da França, o que complicou o processo. Mas a solicitação do casal foi adiada por outra razão: Gustav era protestante e Liesel era católica. A família dela pressionava para que a cerimônia de casamento fosse realizada numa igreja católica e os filhos deles fossem criados nessa religião. A princípio Gustav concordou, mas os examinadores da SS em Berlim o aconselharam fortemente a reconsiderar. Gustav tinha obrigação de criar seus filhos como nazistas. A posição nazista era de que a Igreja Católica era mais que uma instituição de fé. Era “uma organização política com o desígnio de sabotar a causa nazista e o nacionalismo alemão”. Se permitisse que seus filhos fossem católicos, Gustav estaria “perdendo o controle da direção ideológica de sua família”. Gustav e Liesel obedeceram. Tinham encontrado um futuro em comum como membros de uma elite emergente. As expectativas da família e as crenças religiosas podiam ser postas de lado. Agora, a lealdade dos dois era ao Partido Nazista e à SS.

Como membros cumpridores da Comunidade do Volk, Gustav e Liesel Willhaus passaram alguns anos tentando ter um filho. Finalmente, em maio de 1939, tiveram uma filha, meses antes de estourar a guerra, em setembro. Gustav fez o treinamento de combate no exército de Himmler, a Waffen-SS, ala militar da SS. Após algum tempo num trabalho burocrático no escritório central de economia e administração da SS em Berlim, foi chamado para entrar em ação, não na frente de batalha, mas na “guerra contra os judeus” nos territórios ocupados.

Em março de 1942, Gustav recebeu ordem de gerenciar prisioneiros judeus que trabalhavam na indústria de armamentos no Oeste da Ucrânia, em Lviv (chamada de Lemberg na Alemanha). Sua crueldade deve ter causado boa impressão aos superiores, pois foi promovido a comandante de Janowska, o maior campo de trabalho e trânsito da Ucrânia. Recebeu moradia especial, uma casa grande o bastante para sua família, no perímetro de Janowska. Liesel e a filha do casal, agora com 3 anos, foram morar lá com ele no verão de 1942. 

Erna Kürbs era filha de um fazendeiro na Turíngia, coração agrícola da Alemanha. Sua família morava havia séculos na aldeia de Herressen. A comunidade era pequena, com poucas centenas de pessoas muito trabalhadoras, orgulhosas de seu moinho do século XVI, da igreja do século XVII e do passeio público do século XIX. Herressen se situa na encosta de uma montanha sobre um vale por onde corre um rio, cercado por campos de trigo, beterraba e cevada. Aparentemente isolada, fica a apenas 16 quilômetros de Weimar, onde nasceu o fracassado experimento democrático alemão.

Se a Alemanha desenvolveu uma dupla personalidade nos anos 1920, anos de juventude de Erna, Weimar era seu centro nervoso, emitindo pulsos elétricos de modernidade e choques de retrocessos. Já em 1925, os partidos völkisch de direita começavam a dominar o parlamento na Turíngia e um chefe distrital do Partido Nazista fez uma convocação para triagem racial de todos os representantes políticos. Muito se tem escrito sobre o golpe fracassado de Hitler da “cervejaria”, em 1923, seu exibicionismo e subsequente julgamento, que foi seu primeiro palco nacional. Mas poucos sabem que, após ser condenado por traição, ele foi proibido de falar em público em toda a Alemanha, com exceção da Turíngia, onde morava Erna. O motivo dessa exceção não foi uma decisão tomada pelos políticos de Weimar para manter a liberdade de expressão na construção de uma democracia. Isso aconteceu porque os ativistas do Partido Nazista tinham se infiltrado tão efetivamente no Estado que a Turíngia era um refúgio seguro para Hitler e uma tribuna para seu comício anual do partido, transferido de Munique para Weimar em 1926. Para Hitler, a Turíngia fornecia um modelo de como o sistema democrático podia ser destruído legalmente a partir de dentro, enchendo o parlamento de representantes nazistas e cultivando o movimento na zona rural com agressivas práticas eleitoreiras. De fato, quando o Partido Nazista atingiu o auge da popularidade ao obter 37,4% dos votos em território nacional na eleição do Reichstag em 31 de julho de 1932, os nazistas, na região de Erna, obtiveram ainda mais, chegando a 42,5% dos votos. Os maiores adeptos do partido, tanto num lugar como no outro, eram pessoas como Erna – protestantes e fazendeiros da baixa classe média.

Na zona rural alemã, esperava-se que as jovens da geração de Erna se encarregassem da fazenda da família, trabalhando de sol a sol. A novidade do cinema e da propaganda de massa, que enlouquecia a juventude com imagens de cidades fascinantes e histórias românticas de pobres ficando ricos, tornava aquela servidão ainda mais frustrante. No entanto, poucas jovens, que totalizavam mais de 54% da força de trabalho agrícola em 1939, conseguiam escapar da fazenda. Assim como Erna, as jovens solteiras (e viúvas), embora não fossem formalmente reconhecidas e nem pagas, eram essenciais para os negócios da família. A ideia vigente era de que essa força de trabalho feminina não precisava ter muito estudo para manter intacta a economia doméstica tradicional. Em Herressen, Erna frequentou uma escola pública durante sete anos e em seguida passou um ano trabalhando como empregada doméstica numa aldeia vizinha. Essa era toda a experiência que Erna tinha fora de sua aldeia. Até que, em 1936, a “meiga donzela” de 16 anos foi a um baile local, e ali conheceu o homem que viria a ser seu marido. Era Horst Petri, um astro ascendente no movimento nazista.

Esse encontro mudou sua vida, como ela desejava, mas de maneira não imaginada. Horst, alto e bonito, era um altivo militante do Partido Nazista, membro da SS, e Erna se encantou com seus grandes projetos. Ele falava em restaurar a honra de seu pai herói, que morrera pela pátria na floresta de Argonne, na Primeira Guerra Mundial, e na renovação de um Grande Reich Alemão. Ele tinha fortes opiniões políticas e sentimentos românticos por Erna, o que ela achou irresistível.

Antes do estabelecimento da célula nazista em sua cidadezinha na Turíngia, Horst Petri se interessava por ciência e economia agrícolas. Era fascinado com a figura do soldado-fazendeiro, a noção militarizada, romantizada do camponês ariano, cujo dever era podar os crescentes ramos da urbanização. Quando Petri leu o bestseller Volk ohne Raum, passou a acreditar que o futuro da Alemanha estava ameaçado pela carência de terras imperiais – não territórios além-mar na África, mas terras no Leste da Europa continental. Sua rápida adesão ao movimento nazista e seu forte interesse na missão agrícola chamaram a atenção do “líder agrícola” e primeiro chefe do Escritório de Raça e Assentamento de Himmler. Era o dr. Richard Walter Darré, o especialista no conceito de “sangue e solo”, autor de Peasantry as Life-Source of the German Race (1928), New Nobility from Blood and Soil (1929) e Pig as Criterion for Nordic Peoples and Semites (1933). Darré recrutou muitos fazendeiros para o Partido Nazista e colocou Horst Petri sob sua proteção. Tendo Darré como mentor, Horst formou-se em agricultura numa universidade em Jena, e teve treinamento da SS em Buchenwald e Dachau. Sua carreira na SS e como o ideal do fazendeiro-soldado de Darré parecia não ter limites.

Após um ano de namoro, Erna ficou grávida. Os dois pediram imediatamente autorização de casamento ao Escritório de Raça e Assentamento da SS. Aos 18 anos, Erna era uma noiva muito jovem. Na época, a maioria das mulheres se casava entre 25 e 30 anos de idade. O casal teve a bênção de Himmler, mas não do pai de Erna, que não gostava de Horst. Porém, era tarde demais. Eles se casaram em julho de 1938. Erna não era mais a filha do fazendeiro; era a esposa de um oficial da SS, e membro oficial da tribo familiar da SS, à qual daria sua contribuição como mãe racialmente valorizada. Horst Júnior nasceu em novembro de 1938.

No final dos anos 1930, Erna foi fotografada na Turíngia, montada no que parece ser uma motocicleta DKW (Dampf-Kraft-Wagen). A foto foi ampliada e colada em seu álbum de recordações, entre as lembranças da era nazista, que Erna guardou como um tesouro por muitos anos depois da guerra. É uma foto marcante, a última em que ela irradia uma inocência juvenil. Vestindo um avental, com as mãos na direção e os pés nos pedais, ela parece pronta a dar a partida, entrando num turbilhão.

Olhando atentamente essa foto, pode-se ver o despontar da perversão nazista da feminilidade. Fruto de sua geração, ela gostava da modernidade do movimento. O Corpo de Veículos Motorizados Nacional-Socialista tinha numerosos seguidores entre os membros da classe média baixa, como os Petri, que não podiam comprar um Volkswagen, mas amavam a emoção das corridas de carros e de motos. Na Alemanha de Erna Petri, o “individualismo irrestrito” inicial da Nova Mulher da era Weimar –, a mulher que andava de moto de short, exibindo cabelos curtinhos e acendendo um cigarro – foi freado por novas formas de conformidade e hierarquias raciais. O desejo alemão entreguerras de unidade nacional, de uma comunidade do Volk, foi transformado na forma mais bruta, mais excludente e criminosa de um clube racial na era nazista, e Petri se tornou uma sócia orgulhosa e ousada desse clube.

O avental padronizado de Erna não era um símbolo de placidez doméstica. Pelo contrário, na Alemanha de Hitler era uma expressão feminina da superioridade germânica em forma de ordem e limpeza. Mesmo antes do domínio nazista, a Liga Colonial das Mulheres na Alemanha promovia a ideia de que a dona de casa eficiente era uma expressão da “germanidade cultural e biológica”. No império nazista, isso foi levado ao extremo. As mulheres alemãs deveriam realizar uma missão civilizatória que implicava trazer métodos “superiores” de ordem e gestão doméstica às primitivas terras do Leste. Até o termo “limpeza” adquiriu um sentido violento. Passou a ser um eufemismo de pogroms e remoção de raças “inferiores” por meio de deportação e, em última análise, assassinato em massa. 

No verão de 1942, sob os auspícios do Escritório de Raça e Assentamento de Himmler, Horst e Erna Petri receberam a missão de cultivar e manter uma plantação polonesa no Leste da Galícia. As fantasias ideológicas de Horst se materializavam, e sua atenciosa esposa estava a seu lado, de avental, acompanhando-o naquela cruzada.

Mulheres como Erna Petri encarnavam os dois extremos da feminilidade alemã: a mulher liberada, por um lado, e a esposa e dona de casa tradicional, por outro. Elas tinham vivido a infância na República de Weimar, mas, quando adultas, na Alemanha de Hitler. Tendo crescido na confusão de um mundo em rápida urbanização, nas oscilações de crises econômicas e tumultuosas políticas de massa, essa geração perdida de mulheres teve que encontrar um rumo no Terceiro Reich de Hitler. 

[...]

Hitler lhes dizia que a guerra era uma luta pela existência da Alemanha, o confronto derradeiro entre os arianos e os eslavos, entre o fascismo alemão e o bolchevismo judaico. Mesmo depois de anos de aprendizado e doutrinação, depois de ver as forças violentas da política radical nas ruas da Alemanha, depois de ouvir falar do regime de terror em ação nos campos de Dachau e Buchenwald, e sendo expostas a formas de antissemitismo oficiais e populares, essas mulheres alemãs ainda não estavam preparadas para o que viram e vivenciaram quando cruzaram as fronteiras do Reich e entraram na Polônia, Ucrânia, Bielorrússia e no Báltico. E ninguém podia imaginar o que algumas delas fariam ali. 

Wendy Lower
Trad.: Ângela L.