Como manter o conceito de propriedade literária, definido desde o século XVIII a partir de uma identidade perpetuada das obras, reconhecível, qualquer que seja a forma de sua publicação, num mundo em que os textos são móveis, maleáveis, abertos e nos quais, como o desejava Michel Foucault, cada um pode, no momento de começar, “encadear, continuar a frase, e, sem que ninguém se preocupe realmente com isso, alojar-se nos seus interstícios”? Como reconhecer uma ordem dos discursos, que sempre foi uma ordem dos livros ou, para dizer melhor, uma ordem do escrito associando estreitamente autoridade de saber e forma de publicação, quando as possibilidades técnicas permitem, sem controles nem prazos, a circulação universal das opiniões e dos conhecimentos, como também dos erros e das falsificações? Como preservar modos de ler que constroem a significação partindo da coexistência de textos num mesmo objeto (livro, revista, jornal), enquanto o novo modo de conservação e transmissão dos escritos impõe à leitura uma lógica analítica e enciclopédica na qual os textos têm como único contexto aquele que lhes vem de seu pertencimento a uma mesma rubrica?
Roger Chartier
Paris | Collège de France | 2008
Tradução Jean Briant
