21.6.22

Doc

In Girum Imus Nocte Et Consumimur Igni, Guy Debord | 1978

De progressos em promoções, perderam o pouco que tinham e ganharam aquilo que ninguém queria. Colecionam as misérias e as humilhações de todos os sistemas de exploração do passado; e destes só ignoram a revolta. Parecem-se muito com os escravos, porque são encerrados em massas e, apertadamente, em maus edifícios doentios e lúgubres; malnutridos por uma alimentação poluída e sem sabor; maltratados de suas doenças sempre renovadas; contínua e mesquinhamente vigiados; mantidos no analfabetismo modernizado e nas superstições espetaculares que correspondem aos interesses de quem manda neles. São transplantados para longe de suas províncias ou dos seus bairros, para uma paisagem nova e hostil, segundo as conveniências concentracionárias da presente indústria. Não passam de números em gráficos organizados por imbecis.

Morrem em série nas estradas, a cada nova epidemia de gripe, a cada onda de calor, a cada erro de quem lhes falsifica os alimentos, a cada inovação técnica proveitosa para múltiplos empresários de um cenário cujos inconvenientes são os primeiros a suportar. As suas penosas condições de existência levam à sua degenerescência física, intelectual, mental. Falam-lhes sempre como a crianças obedientes, a quem basta dizer "é preciso", e eles acreditam. Mas, principalmente, são tratados como crianças estúpidas, diante das quais tartamudeiam e deliram dezenas de especializações paternalistas, improvisadas na véspera, fazendo-os admitir seja o que for e dizendo-lho a trouxe-mouxe; e igualmente o contrário no dia seguinte.

Esta terra tornou-se ingovernável, esta "terra devastada" onde os novos sofrimentos se disfarçam com o nome dos antigos prazeres; e onde as pessoas têm tanto medo. As pessoas movem-se na noite sem saída e são consumidas pelo fogo. Acordam assombradas e buscam, às apalpadelas, a vida. Para cúmulo, corre o rumor de que aqueles que a expropriavam, a extraviaram. 

Guy Debord
1931 - 1994