O mundo do trabalho repleto de pequenos grupos profissionais isolados (serviços de hospital, gabinetes de ministérios, etc) que funcionam como quase-famílias, nos quais o chefe do serviço, quase sempre um homem, exerce uma autoridade paternalista, baseada no envolvimento afetivo ou na sedução, e, ao mesmo tempo, sobrecarregado de trabalho e tendo a seu encargo tudo que acontece na instituição, oferece uma proteção generalizada a um pessoal subalterno, principalmente feminino (enfermeiras, assistentes, secretárias), assim encorajado a um investimento intenso, muitas vezes patológico, na instituição e naquele que a encarna.
Seria necessário enumerar todos os casos em que os homens mais bem-intencionado realizam atos discriminatórios, excluindo as mulhers, sem nem se colocar a questão, de posições de autoridade, reduzindo suas reivindicações a caprichos, merecedores de uma palavra de apaziguamento ou de um tapinha na face, ou então, com intenção aparentemente oposta, chamando-as e reduzindo-as, de algum modo, à sua feminilidade, pelo de fato de desviar a atenção para seu penteado, ou para tal ou qual traço corporal, ou usando, para se dirigir a elas, termos familiares (o nome próprio) ou íntimos ("minha menina", "querida" etc.), mesmo em uma situação "formal" (uma médica diante de seus pacientes) ou outras tantas "escolhas" infinitesimais do inconsciente que, acumulando-se, contribuem para construir a situação diminuída das mulheres e cujos efeitos cumulativos são registrados nas estatísticas da diminuta representação das mulheres nas posições de poder, sobretudo econômico e político.
O feminismo dito universal, por ignorar o efeito de dominação, e tudo aquilo que a universalidade aparente do dominante deve à sua relação com o dominado - no caso, tudo que diz respeito à virilidade - inscreve na definição universal do ser humano propriedades históricas do homem viril, construído em oposição às mulheres.
A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraente, disponíveis. Delas se espera que sejam "femininas", isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a pretensa "feminilidade" muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em relação às expectativas masculinas, reais ou supostas, principalmente em termos de engrandecimento do ego. Em consequência, a dependência em relação aos outros (e não só aos homens) tende a se tornar constitutiva de seu ser.