1.2.25

Mal estar na modernidade


A mais importante dimensão do Contra-Iluminismo brasileiro: o irracionalismo. Sabemos por que nossos estudantes consultam I Ching para descobrir se vão passar no vestibular; por que os políticos de Brasília confiam mais no búzios do que nas projeções macroeconômicas e por que no intervalo entre duas reprovações os secundaristas meditam no interior de pirâmides de cristal. Sabemos por que o irracionalismo grassa dentro da própria psicanálise, por que certos analistas se interessam mais pelo Tao do que por Freud, por que o passado é investigado mais para procurar vidas anteriores do que para procurar traumas infantis, e por que a metempsicose fascina mais do que a metapsicologia. Todos esses fenômenos são atalhos que conduzem a resultados imediatos. E é preciso convir que uma análise que se limita, como diz Freud, a converter a miséria histérica em infelicidade banal, não é tão eficiente como a que revela à paciente, depois de três ou quatro sessões, que ela é a reencarnação de uma princesa persa.

O irracionalismo opera na sociedade, introduzindo uma disjunção entre prática e saber. Mas opera também no interior do próprio saber.

O mandarinato da era eletrônica cumpre completentemente sua missão de sacralizar a cultura de massas.

Atacar a alta cultura, em nome da cultura popular, significa avolumar o caudal de um antiintelectualismo suicida que tornará mais incerta a luta emancipatória.

Sergio P. Rouanet 
1934 - 2022