O fascínio dos mundos perdidos há muito que preocupa a Humanidade. É inevitável que o homem transitório, estudante das galáxias e calculador de anos-luz, anseie nostalgicamente por uma ilha qualquer fora do tempo, um Avalon não toca pela perda humana.
O tesouro de incontáveis piratarias, os mortos de inúmeras batalhas tinham descido à sombra verde do reino das sereias. Em troca, os homens só tinham tido o vislumbre lendário de um braço alvo ao cair da noite, ou da voz de uma sereia cantando numa ilha que desaparecia, ao despontar da aurora. Mais tarde, esgotada a jovem imaginação humana, sobreviveu do abismo apenas o boato de monstros marinhos: serpentes ou arcaicos animais do oceano.
Por volta de 1870, a concepção das grandes profundidades serem azóicas tinha dois aspectos: primeiro, a teoria de serem as profundidades oceânicas povoadas pelos fósseis marinhos vivos de épocas geológicas passadas, para lá escapados de desastres que tinham destruído a sua espécie nos baixos mares do mundo primitivo; segundo - e refletindo a filosofia materialista que começava a nascer sob o estímulo da teoria de Darwin - a opinião de que, espalhada no solo da planície abismal, jazia a Urschleim, matéria semiviva protoplásmica representando a transição entre o vivo e o não-vivo, de que se desenvolvera, no curso do tempo, a vida mais complexa.
A Urschleim protoplásmica, sem estrutura, era um sonho projetivo de cientistas que lutavam por construir uma árvore genealógica evolucionária sobre organismos existentes. Zoólogos que eram do século dezenove, esqueceram-se, infelizmente, do mundo de vida vegetal microscópica, da sua posição básica na nutrição das coisas vivas, e do fato de ser mister a luz do sol para a execução dos misteriosos fenômenos verdes.
Dentre todos os mundos de vida, o único que permanece inalterado é o abismo. É o único lugar do planeta em que as condições permanecem tais quais foram desde o começo, em que não mudaram as pressões de cinco milhas, em que jamais brilhou o sol, em que o frio é o mesmo, quer nos polos, quer no equador, em que as estações não variam, em que não há vento nem onda para agitar o lamaçal sobre o qual as esponjas de vidro se erguem em graciosas hastes, ou as seringas abismais flutuam como balõezinhos puxados por cordéis. É o único mundo, neste planeta, que só podemos penetrar por um grande rasgo de imaginação. Talvez tenha havido apenas um esforço imaginativo maior, a tentativa da Biologia do século dezenove, embriagada pelos seus êxitos, para observar no piso do mar a vida no processo de vir a ser, para vislumbrar nas lamas abismais a linha de separação entre a vida e a morte.
As massas celulares flutuantes do primitivo oceano vivam numa solução nutriente. Era fácil chegar ao sal, ao sol e à umidade, sem grande elaboração mecânica. Foi o ato de se estender que mudou esse padrão, foi o ato de se estender que forçou as células a levar o mar com elas à praia, a elaborar em seu próprio corpo a verdadeira miniatura do mar onienvolvente de onde vinham. Foi o ato de se estender, aquele tatear magnificente e duradouro que só a vida - cega e persistentemente entre as pedras e indiferença de todo o universo inanimado - pode continuar a suportar e prolongar.