12.3.25

As grandes profundidades


O fascínio dos mundos perdidos há muito que preocupa a Humanidade. É inevitável que o homem transitório, estudante das galáxias e calculador de anos-luz, anseie nostalgicamente por uma ilha qualquer fora do tempo, um Avalon não toca pela perda humana.

O tesouro de incontáveis piratarias, os mortos de inúmeras batalhas tinham descido à sombra verde do reino das sereias. Em troca, os homens só tinham tido o vislumbre lendário de um braço alvo ao cair da noite, ou da voz de uma sereia cantando numa ilha que desaparecia, ao despontar da aurora. Mais tarde, esgotada a jovem imaginação humana, sobreviveu do abismo apenas o boato de monstros marinhos: serpentes ou arcaicos animais do oceano.

Por volta de 1870, a concepção das grandes profundidades serem azóicas tinha dois aspectos: primeiro, a teoria de serem as profundidades oceânicas povoadas pelos fósseis marinhos vivos de épocas geológicas passadas, para lá escapados de desastres que tinham destruído a sua espécie nos baixos mares do mundo primitivo; segundo - e refletindo a filosofia materialista que começava a nascer sob o estímulo da teoria de Darwin - a opinião de que, espalhada no solo da planície abismal, jazia a Urschleim, matéria semiviva protoplásmica representando a transição entre o vivo e o não-vivo, de que se desenvolvera, no curso do tempo, a vida mais complexa.

Urschleim protoplásmica, sem estrutura, era um sonho projetivo de cientistas que lutavam por construir uma árvore genealógica evolucionária sobre organismos existentes. Zoólogos que eram do século dezenove, esqueceram-se, infelizmente, do mundo de vida vegetal microscópica, da sua posição básica na nutrição das coisas vivas, e do fato de ser mister a luz do sol para a execução dos misteriosos fenômenos verdes.

Dentre todos os mundos de vida, o único que permanece inalterado é o abismo. É o único lugar do planeta em que as condições permanecem tais quais foram desde o começo, em que não mudaram as pressões de cinco milhas, em que jamais brilhou o sol, em que o frio é o mesmo, quer nos polos, quer no equador, em que as estações não variam, em que não há vento nem onda para agitar o lamaçal sobre o qual as esponjas de vidro se erguem em graciosas hastes, ou as seringas abismais flutuam como balõezinhos puxados por cordéis. É o único mundo, neste planeta, que só podemos penetrar por um grande rasgo de imaginação. Talvez tenha havido apenas um esforço imaginativo maior, a tentativa da Biologia do século dezenove, embriagada pelos seus êxitos, para observar no piso do mar a vida no processo de vir a ser, para vislumbrar nas lamas abismais a linha de separação entre a vida e a morte.

As massas celulares flutuantes do primitivo oceano vivam numa solução nutriente. Era fácil chegar ao sal, ao sol e à umidade, sem grande elaboração mecânica. Foi o ato de se estender que mudou esse padrão, foi o ato de se estender que forçou as células a levar o mar com elas à praia, a elaborar em seu próprio corpo a verdadeira miniatura do mar onienvolvente de onde vinham. Foi o ato de se estender, aquele tatear magnificente e duradouro que só a vida - cega e persistentemente entre as pedras e indiferença de todo o universo inanimado - pode continuar a suportar e prolongar.