Existe alienação quando ocorre um abismo entre o desenvolvimento humano genérico e as possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos humanos, entre a produção humano genérica e a participação consciente do indivíduo nessa produção. Esse abismo não teve a mesma profundidade em todas as épocas nem para todas as camadas sociais; assim, por exemplo, fechou-se quase completamente nas épocas de florescimento da polis ática e do renascimento italiano; mas, no capitalismo moderno, aprofundou-se desmesuradamente. Ademais tal abismo jamais foi inteiramente insuperável para o indivíduo isolado: em todas as épocas, sempre houve um número maior ou menor de pessoas que, com ajuda de seu talento, de sua situação, das grandes constelações históricas, conseguiu superá-lo. Mas, para massa, para o grande número dos demais, subsistiu o abismo, quer quando era muito profundo, quer quando mais superficial.
O moderno desenvolvimento capitalista exacerbou ao extremo essa contradição. Por isso, a estrutura da cotidianidade alienada começou a expandir-se e a penetrar em esferas onde não é necessária, nem constitui uma condição prévia da orientação, mas nas quais aparece até mesmo como obstáculo para essa última.
A aludida estrutura, que na cotidianidade não aparece como um fenômeno de alienação, é necessariamente manifestação de alienação na arte, na ciência, nas decisões morais e na política. E é evidente, com efeito, que a estrutura cotidiana só começa a expandir-se "para cima" quando ela própria já é alienada.
Ágnes Heller
1929 - 2019