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Perguntar-me-ão: qual é a sua teoria? Responderei: nenhuma. E é isto que dá medo: gostariam de saber qual é a minha doutrina, a fé que é preciso abraçar ao longo deste livro. Estejam tranquilos, ou ainda mais preocupados. Eu não tenho fé - o protervus é sem fé e sem lei, é o eterno advogado do diabo, ou o diabo em pessoa: Forse tu non pensavi ch'io loico fossi! Como Dante lhe faz dizer, "Talvez não pensasse que eu fosse um lógico" ("Inferno", canto XXVII, v. 122-123) -, nenhuma doutrina, senão a da dúvida hiperbólica diante de todo discurso sobre a literatura. À teoria da literatura, vejo-a como uma atitude analítica e de aporias, uma aprendizagem cética (crítica), um ponto de vista metacrítico visando interrogar, questionar os pressupostos de todas as práticas críticas (em sentido amplo), um "Que sei eu?" perpétuo.
Antoine Compagnon | O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad.: Cleonice P. B. Mourão e Consuelo F. Santiago
UFMG | 2012