O consumo, imposto atualmente à população, é ditado pelo sistema de produção. Controlando os meios de comunicação de massa, esse sistema pode impor uma forma predeterminada de comportamento aos consumidores potenciais - isto é, pode distorcer seu perfil de demanda. Não se pode, portanto, falar de livre escolha.
As firmas que controlam a produção controlam também o consumo, que é uma função de renda e do crédito. Dessa maneira, subir na escala de consumo torna-se, paradoxalmente, um dos objetivos da "expectativa de ascensão", esse novo tipo de ethos imposto ao cidadão comum por aqueles que acumulam cada vez mais, "supranacionalmente", os benefícios do trabalho de todos.
Defender o "consumismo" pode ser uma hábil manobra política ou uma forma de oportunismo sofisticado, com o qual provavelmente se pode conquistar o povo e ganhar o poder, sem contudo mudar fundamentalmente a estrutura do poder - isto é, sem colocar o povo no poder. Como Paulo Freire (1968, p. 61) salientou de forma tão sagaz o problema da pobreza não é uma questão de integrar a população pobre em uma estrutura opressiva, a fim de que possa tornar-se mais parecido com o opressor, mas, sim, de transformar essa estrutura, de maneira que cada indivíduo seja o que é.
Milton Santos | 1978