24.6.16

Você não pode ser neutro num trem em movimento: uma historia pessoal dos nossos tempos

Howard Zinn | 1994 | Trad.: Nils Skare

Quando eu me tornei professor não podia simplesmente deixar fora da sala de aula minhas próprias experiências. Eu sempre me pergunto como muitos professores conseguem passar um ano com grupos de estudantes e nunca revelar quem eles são, que tipo de vida eles levaram, de onde suas ideias vêm, no que eles acreditam, ou no que eles querem para sim, para seus estudantes e para o mundo.

O simples fato deste acobertamento existir, não nos ensina algo terrível – que você pode separar o estudo da literatura, história, filosofia, política, artes, de sua própria vida, de suas mais profundas concepções de certo e errado?

Nas minhas aulas nunca escondi minhas visões políticas: meu ódio pela guerra e o militarismo, minha raiva perante a diferença racial, minha crença num socialismo democrático, numa distribuição racional e justa da riqueza do mundo. Sempre deixei claro meu desdém por qualquer tipo de arrogância, seja por parte das nações poderosas em relação às mais fracas, do governo sobre seus cidadãos, de empregadores sobre empregados, ou por parte de qualquer um, da Esquerda ou da Direita, que acha que possui o monopólio da verdade.

Esta mistura de ativismo e ensino, esta insistência em que a educação não pode ser neutra sobre as questões cruciais de nosso tempo, este movimento “da sala de aula para as lutas fora dela” realizado por professores que esperam que seus alunos façam o mesmo, sempre assustou os guardiões da educação tradicional. Eles preferem que a educação sirva apenas para preparar a nova geração a tomar seu devido lugar na velha ordem, mas não a questionar essa ordem.

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Nunca acreditei que estivesse impondo minha visão em um quadro em branco, em mentes inocentes. Meus estudantes tiveram um longo período de doutrinação política antes de chegarem a minha classe – na família, na escola, na mídia. Num mercado há tanto tempo dominado pela ortodoxia, eu queria apenas oferecer meus “produtos” em meio aos outros, deixando os estudantes fazerem suas próprias escolhas.

Os milhares de jovens em minhas classes ao longo dos anos me deram esperança para o futuro. Durante os anos 70 e 80, todos pareciam se queixar de quão “ignorante” e “passiva” era a atual geração de estudantes. Mas ao ouvi-los, ao ler os trabalhos e artigos que escreviam, bem como os relatórios de atividades comunitárias exercidas como parte de suas tarefas, fiquei impressionado com a sensibilidade deles frente à injustiça, com a disposição que mostravam em fazer parte de uma boa causa, com o potencial deles para o mundo.

O ativismo estudantil da década de 80 foi pequeno em escala, mas nesta época não havia nenhum grande movimento nacional ao qual se juntar, e havia fortes pressões econômicas de todos os lados para “se dar bem”, “ter sucesso”, e juntar-se ao mundo dos profissionais prósperos. Ainda assim, muitos jovens ansiavam por algo mais, e eu não desesperei. Lembro de como a década de 50 observadores desdenhosos falavam da “geração silenciosa” como um fato inquestionável, e então, explodindo essa noção, vieram os anos 60.

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Eu penso nos pobres de hoje, tantos deles morando nos “guetos não-brancos”, muitas vezes vivendo a apenas quadras de riquezas fabulosas! Eu penso na hipocrisia dos líderes políticos, no controle da informação através do engano, através da omissão. E de como, por todo o mundo, governos têm desempenhado um papel, preponderante no incentivo ao ódio nacional e étnico.

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Nós somos tão esmagados pelo presente, pela corrente de imagens e “histórias” nos afogando todo dia, que não é de se admirar quando perdemos a esperança.

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Eu sempre fico com raiva quando escuto a voz dos arrogantes e afluentes: “Nós temos um sistema maravilhoso; se você trabalhar duro você vai conseguir".

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A educação é mais rica e viva quando ela confronta a realidade dos conflitos morais do mundo.

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Ser crítico do governo é um elemento essencial numa sociedade democrática.

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O maior perigo [...] a obediência civil, a submissão da consciência individual à autoridade do governo. Tal obediência levava aos horrores que nós víamos nos estados totalitários, e em estados liberais levava à aceitação da guerra quando quer que o assim chamado governo democrático decidisse.

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Já estive sentado em dúzias de tribunais, ocasionalmente como réu, mas geralmente como testemunha no julgamento de alguém. Eu aprendi bastante. O tribunal é um caso ilustrativo do fato de que embora nossa sociedade seja liberal e democrática num sentido amplo e vago, suas partes móveis, suas câmaras menores - salas de aulas, lugares de trabalho, comitês corporativos, cadeias, barracas militares - são flagrantemente não-democráticas, dominadas por uma pessoa em comando ou uma pequena elite do poder.

Em tribunais os juízes possuem poder absoluto sobre os procedimentos. Eles decidem que provas serão permitidas, que testemunhas poderão testemunhar, que perguntas poderão ser feitas. Além disso, o juiz é, na maioria das vezes, alguém designado politicamente ou então eleito através de um partido político, e quase sempre é um homem branco relativamente rico, cujo pano de fundo é de privilégio e cujas ideias são moderadamente conservadoras ou moderadamente liberais.