30.1.20

Cocaína


A City de Londres é um pulmão que se enche e se esvazia. Como um fole, bombeia pessoas durante o dia, de segunda a sexta-feira, quando os escritórios e a Bolsa estão abertos. Um fervilhar de existências revestidas por caríssimos ternos risca de giz ou tailleurs Armani. Depois vem a noite e as formigas que tinham invadido o centro de Londres durante o dia transferem-se para o exterior do pulmão. Ele fica contraído e esvaziado, como uma bola de futebol murcha.

É a economia que inspira e expira. É a economia que respira grandes haustos. Segura o fôlego durante horas e depois sola o ar; quando soa a hora do almoço, as formiguinhas que algumas horas antes estavam em segurança nos escritórios invadem as ruas em busca de comida. Restaurantes da última moda, cubículos anônimos mobiliados com cadeiras e mesas de plástico transparente. Ou sushi bars elegantes e pubs que emanam um perfume acre de carvalho todos são tomados de assalto. A economia precisa de carboidratos e precisa de combustível; fala-se tanto de despersonalização, mas o turbocapitalismo ainda é gerido por homens e mulheres de carne e osso. Homens e mulheres que precisam se alimentar. Se tiver de trabalhar à tarde você escolhe uma salada, pois de outra forma não vai render. Um prato de macarrão ou uma sopa, porque, para administrar o dinheiro do mundo, é necessário absorver muita, muita energia. Ou pizza, porque o dia é longo e há tempo para uma refeição como deve ser. Você faz parte de um exército que, entre a uma e as duas da tarde, invade o Leadenhall Market, que se parece tão pouco com os vários filmes onde figurava como pano de fundo. Um exército que se movimenta com rapidez e precisão. Você entra numa cantina, encontra um lugar para sentar com os colegas e pega um cardápio na mesa. Escarafuncha a lista que já conhece de cor, se detém nos pratos que já provou mil vezes e depois salta diretamente para a lista de vinhos. Há alguns caríssimos, importados, muitos italianos. Põe o indicador no primeiro nome da lista e desce rapidamente; faz com perícia, como se procurasse algo em especial, depois o dedo sobe de novo, você para num Sauvignon, hesita e enfim fecha o menu com um golpe seco. Decidiu. Chama o garçom e menciona um vinho. Que não está na lista. Que nunca esteve na lista. Mas o garçom assente e se retira em silêncio. Não é um engano, não é uma alucinação. É um código. Um vinho que não consta da lista é um grama de pó. Se você trabalha no mundo das finanças precisa se nutrir, tem de ser rápido e eficiente, precisa saber tomar as decisões certas numa fração de segundo. Assim é, dia após dia, de segunda a sexta, da uma às duas, no lugar onde o tráfico e o consumo de cocaína viraram endêmico. A City, o coração das finanças mundiais, onde se vive e se morre de taxas de câmbio, índices, cotações. Entre um sanduíche de mozarela e uma pizza quatro estações, gramas de cocaína que passam sem ser incomodados e se somam em quilos de pó para ser usado mais tarde, no banheiro do escritório ou diretamente no dos bares onde comeu. A tarde é longa. A noite é longa. Desde que estourou a crise, o consumo também aumentou. Previsível. Todos os dias, as notícias que chegam são ruins. Com dar conta? O almoço terminou. Bem abastecido, pronto par enfrentar a segunda parte do dia com espírito renovado e otimismo nas nuvens, você pede a conta. Tudo vem faturado certinho. A salada niçoise, o arroz à cantonesa, a pizza de massa especial e o vinho que não consta no cardápio. E por que não? É um almoço de trabalho. Está certo incluir suas despesas.

Roberto Saviano