7.10.24

O voto e as ilusões

 

A liberdade real implica em não ser representado abandonando tudo aos eleitos, mas procurar lutar socialmente por si mesmo.

Qualquer governo, seja constitucional ou não, tem tendência a alargar seu poder sobre o trabalhador e pelo parlamento tende a legislar sobre tudo e intervir em tudo que é de sua competência.

Nesse processo político, a propaganda dos princípios é substituída pela propaganda das pessoas. O único interesse dos partidos é a vitória das candidaturas.

A ilusão eleitoral em pensar que depositando ritualmente um voto numa urna, o povo detém algum poder de decisão quando o candidato é escolhido via "compra da legenda" em dinheiro, indicação via Comissão estadual ou federal, onde tem grande peso o "capital de relações sociais".

A ilusão eleitoral leva o povo à inércia, ao adormecimento, esperando que alguém lute por ele. No fundo, é uma escola de conformismo social, onde confunde-se mobilização popular real partindo dos próprios interessados em defenderem suas reivindicações com arregimentação do povo em comício onde alguém indicado fala por ele.

Vença quem vencer as eleições nada muda no interior das fábricas, nos campos e nas oficinas. Nos escritórios, nos bancos, nos hospitais.

As relações hierárquicas de dominação e exploração continuarão as mesmas, só que administradas por um governo que, em "nome do povo", poderá perdir-lhes "sacrifícios" e, se for o caso, usar o aparelho repressivo do Estado como usaram-no todos que ocuparam o poder de Cabral até hoje.

Não há soluções mágicas ou milagrosas. Um bom ponto de partida é definir que só mediante a ação livre e direta de todos os assalariados, auto-organizados a partir de seus locais de trabalho, podem esperar ser ouvidos e ter um lugar ao sol. No processo de suas lutas aprenderão a conhecer-se melhor e conhecer aqueles que em seu nome querem falar. Não há vida por procuração, cada um tem de viver a sua, assim como, não há luta por procuração, cada grupo humano tem de auto-organizar-se para travar a sua luta.

Maurício Tragtenberg | 1982