E agora? Irão finalmente acabar os paraísos fiscais e as contas numeradas? Irá ser implacavelmente investigada a origem de gigantescos depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delituosas, de investimentos opacos que, em muitíssimos casos, não são mais que maciças lavagens de dinheiro, de dinheiro de narcotráfico?
Crimes contra a humanidade não são somente os genocídios, os etnocídios, os campos de morte, as torturas, os assassínios selectivos, as fomes deliberadamente provocadas, as poluições maciças, as humilhações como método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é o que os poderes financeiros e económicos dos Estados Unidos, com a cumplicidade efectiva ou tácita do seu governo, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas de perder o dinheiro que ainda lhes resta e depois de, em muitíssimos casos (não duvido de que eles sejam milhões), haverem perdido a sua única e quantas vezes escassa fonte de rendimento, o trabalho.
Os criminosos são conhecidos, têm nomes e apelidos, deslocam-se em limusinas quando vão jogar golf, e tão seguros de si mesmos que nem sequer pensaram em esconder-se. São fáceis de apanhar. Quem se atreve a levar esta gang aos tribunais? Ainda que não consiga, todos lhe ficaremos agradecidos. Será sinal de que nem tudo está perdido para as pessoas honestas.
José Saramago
Outubro de 2008