Quando foi publicado, O estrangeiro constituiu uma espécie de síntese da filosofia do absurdo: seu herói, Meursault, situado na cotidianidade mais medíocre, a do pequeno assalariado, não sente revolta por isso; aceita as obrigações sem reclamar e realiza todos os atos aparentes do conformismo social; cumpre até mesmo os ritos dos grandes sentimentos, a posição do filho, de amigo. Mas todo esse gestual de passividade é assumido por Meursault numa espécie de transe, que é o estado de indiferença fundamental às razões do mundo.
Meursault não é propriamente ator, nem moralista: não discorre sobre o que faz; faz gestos de todo o mundo, mas esses gestos são desprovidos de razões, de álibis, de tal modo que a própria brevidade do ato, sua opacidade, é o que mostra a solidão de Meursault. O que Camus nos propõe já não é um ato com ecos, um ato totalmente enviscado no estrato das causas, das justificações, das consequências e das durações; é um ato puro, inconsequente, separado de seus vizinhos, suficientemente sólido para manifestar uma submissão ao absurdo do mundo e suficientemente breve para fazer explodir a recusa a comprometer-se com ilusórias justificações desse absurdo.
Roland Barthes
1915 - 1980