A questão fundamental no poder é saber quem o detém, como chegou a ele e para o que ou para quem o utiliza.
A ideia da tomada de consciência pertence a uma outra era, eu diria a uma outra civilização. É herdeira do século XVIII, do espírito da Enciclopédia, da Ilustração. Tudo já está chegando ao fim. Estamos entrando na era da dominação da tecnologia, e isso nem sempre a serviço da humanidade. O que prevalece é o interesse pessoal, o lucro a qualquer custo, a indiferença, a ignorância, a obscuridade. O que está mudando é uma mentalidade que acreditava na toma de consciência como motor para melhorar a sociedade. A tomada de consciência, hoje, não é garantia de nada: muitos optaram por uma atitude cínica. Mas ser consciente é um começo, a partir do qual podemos pensar um homem realmente humano. Embora nos digam que não existem mais ideologias, a sobra da ideologia está sempre à espreita. E o cinismo é uma ideologia poderosa.
Vivemos hoje em um mundo que Marx não conheceu, vivemos em um mundo vigiado, somos vigiados. Acabou a privacidade. Se a vida privada acabou de algum forma, a consciência privada, para usar a mesma terminologia, sofreu um ataque semelhante. A liberdade, e aqui estou falando da liberdade de consciência, arrisca-se às vezes a se tornar algo utópico, com muito pouco conteúdo.
José Saramago
1922 - 2010