
A Inquisição escancarou sobre nossa vida íntima da era colonial, sobre as alcovas com camas que em geral parecem ter sido de couro, rangendo às pressões dos adultérios e dos coitos danados; sobre as camarinhas e os quartos de santos; sobre as relações de brancos com escravos - seu olho enorme, indagador. As confissões e denúncias reunidas pela visitação do Santo Ofício às partes do Brasil constituem material precioso para o estudo da vida sexual e de família no Brasil dos séculos XVI e XVII. Indicam-nos a idade das moças casarem - doze, quatorze anos; o principal regalo e passatempo dos colonos - o jogo de gamão; a pompa dramática das procissões - homens vestidos de Cristo e de figuras da Paixão e devotos com caixas de doce dando de comer aos penitentes. Irregularidades na vida doméstica e moral cristã da família - homens casados casando-se outra vez com mulatas, outros pecando contra a natureza com efebos da terra ou da Guiné, ainda outros cometendo com mulheres a torpeza que em moderna linguagem científica se chama, como nos livros clássicos, felação, e que nas denúncias vem descrita com todos os ff e rr; desbocados jurando pelo "pentelho da Virgem"; sogras planejando envenenar os genros; cristãos-novos metendo crucifixos por baixo do corpo das mulheres no momento da cópula ou deitando-os nos urinóis; senhores mandando queimar vivas, em fornalhas de engenho, escravas prenhes, as crianças estourando ao calor das chamas.
Gilberto Freyre
1900 - 1987