12.11.25

Dicionário

O que há de mais racional que um dicionário? Ele instrui, informa, ensina mesmo, desde que o leiamos, e não só o consultemos; sem longos discursos, sem vã retórica, ele distribui o saber sóbria e democraticamente a qualquer um que o procure.

Nascido no século XVI, ou seja, na aurora dos tempos modernos, acompanhou de modo dinâmico, às vezes militante, a conquista do espírito da objetividade, e por isso mesmo de tolerância: mediador de um saber acessível a todos, participou da constituição de uma prática democrática do conhecimento.

O dicionário nos chama de volta à ordem. Ele nos diz que só existe verdadeira comunicação, interlocução leal, com o uso rigoroso das sutilezas da língua. Às vezes ouço algumas pessoas acusar um autor de "jargão"; tenho vontade de responder, como Valéry: "Você é daquele tipo de gente para quem o dicionário não existe?" O dicionário nos lembra que a língua não é dada de uma vez por todas e de modo inato; que ninguém é por si mesmo a norma da clareza; que a boa comunicação não pode ser fruto de uma frouxidão de fala; em suma, que cada um deve lutar com a linguagem, que essa luta é incessante, que ela demanda armas (como o dicionário), de tão vasta, pujante e sinuosa é a linguagem. A existência obstinada e renovada dos dicionários, o cuidado com que são concebidos e feitos, tudo isso diz que há neles como que um desejo social: se os conflitos humanos são inevitáveis (é o que se afirma), que pelo menos não seja nunca por culpa de mal-entendidos de palavras. As palavras não são verdadeiras nem falsas, uma vez que a linguagem não tem o poder de se provar; mas podem ser justas: é para essa música das relações de linguagem que nos convida um bom dicionário.

Roland Barthes
1915 - 1980