18.12.25

Descodificação e conjunção de fluxos descodificados


O cinismo

Já não é a idade da crueldade nem do terror, mas a idade do cinismo, que é acompanhado por uma estranha piedade (e ambos constituem o humanismo: o cinismo é a imanência física do campo social, e a piedade é a manutenção de um Urstaat espiritualizado; o cinismo é o capital como meio de extorquir sobretrabalho, mas a piedade é este mesmo capital como capital-deus de onde parecem emanar todas as forças de trabalho). Esta idade do cinismo é a da acumulação do capital, dado que este implica o tempo, precisamente para a conjunção de todos os fluxos descodificados e desterritorializados. Como Maurice Dobb mostrou, é preciso haver, num primeiro tempo, uma acumulação de títulos de propriedade, por exemplo da terra, numa conjuntura favorável, num momento em que esses bens custem pouco (desintegração do sistema feudal); e é preciso haver um segundo tempo, em que estes bens são vendidos num momento de alta de preços, e em condições que tornam particularmente interessante o investimento industrial (“revolução dos preços”, reserva abundante de mão de obra, formação de um proletariado, acesso fácil a fontes de matérias-primas, condições favoráveis à produção de instrumentos e máquinas). Há todo tipo de fatores contingentes que favorecem essas conjunções. Quantos encontros foram necessários para a formação da coisa, a inominável! Mas o efeito da conjunção é certamente o controle cada vez mais profundo da produção pelo capital.

Gilles Deleuze e Félix Guattari