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Você permanece no seu quarto, sem comer, sem ler, quase sem se mexer. Olha a bacia, a prateleira, os joelhos, o seu olhar no espelho trincado, a tigelinha, o interruptor. Escuta os rumores da rua, a gota d'água na torneira do patamar, os barulhos do seu vizinho, seu pigarro, as gavetas que ele abre e fecha, seus acessores de tosse, o sibilar da chaleira. Você acompanha, no teto, a linha sinuosa de uma pequena fresta, o itinerário inútil de uma mosca, a progressão quase perceptível das sombras.
Esta é a sua vida. Isto é seu. Você pode fazer o inventário exato de sua mísera fortuna, o balanço preciso do seu primeiro quarto de século. Tem vinte e cinco anos e vinte e nove dentes, três camisas e oito meias, alguns livros que não lê mais, alguns discos que não ouve mais. Não tem vontade de lembrar-se de outra coisa, nem de sua família, nem de seus estudos, nem de seus amores, nem de seus amigos, nem de suas férias, nem de seus planos. Viajou e nada trouxe de suas viagens. Está sentado e quer apenas esperar, esperar apenas até que não haja mais nada a esperar: que venha a noite, que soem as horas, que se vão os dias, que as lembranças esmaeçam.
Você não revê os amigos. Não abre a porta. Não desce em busca de correspondência. Não devolve os livros que tomou emprestado da Biblioteca do Instituto Pedagógico. Não escreve a seus pais.
Você sai somente ao cair da noite, como os ratos, os gatos e os monstros. Vagueia pelas ruas, se esconde nos cineminhas imundos dos Grands Boulevards. Às vezes caminha a noite toda; às vezes dorme o dia inteiro.
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Você não tem o hábito e não tem vontade de estabelecer diagnósticos. O que perturba, o que o emociona, o que lhe dá medo, mas que às vezes o exalta não é a rapidez da sua metamorfose, mas ao contrário, justamente, o sentimento vago e angustiante de que não há novidade, que nada mudou, que você sempre foi assim, mesmo que saiba disso somente hoje: aquilo, no espelho trincado, não é o seu novo semblante, são as mascaras que caíram, o calor do seu quarto as derreteu, o torpor as descolou. As máscaras do caminho certo, das belas certezas. Durante vinte e cinco anos, você nada soube daquilo que hoje é o inexorável? Nunca viu falhas naquilo que considera ser sua história? Tempos mortos, quedas de pressão. O desejo fugidio e pungente de não ouvir mais, de não ver mais, de permanecer silencioso e imóvel. Os insensatos desejos da solidão. Amnésico errante no País dos Cegos: ruas largas e vazias, luzes frias, rostos mudos sobre os quais deslizaria o seu olhar. Você nunca seria atingido.
[PEREC, Georges. Um homem que dorme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p.18-19 e 20-21]