[Femme fatale - self-portrat, de Nan Goldin, 1972]
um sonho?
Depois de nove noites, eu resolvi convidá-la para um café. Cheguei ao local marcado com uma certa antescendência e, encostando-me numa das pilastras do prédio, acendi um cigarro. Alguns estudantes circulavam pelo pátio aberto carregados de livros e bolsas. Outros, no entanto, batiam uma bolinha na quadra pintada com tanto esmero, enquanto um casal sentado num banco de madeira se acariciava. Observava cada individuo através de uma e outra tragada no cigarro quando, de repente, ela – a quem esperava ansiosamente – passou por mim como se não me visse, ou como se quisesse dar um ar espectral. E vinha acompanhada de outro homem. Nas poucas vezes que nos encontramos, ela sempre insistia em trazer alguma pessoa como cumplice para as nossas conversas. Soltei o resto do cigarro que pisei com a ponta do tênis transformando-o num farelo e encaminhei, a passos lentos, em sua direção. Ela já se servira de café num copo de vidro e, ao me ver, esboçou um sorriso e me perguntou em que eu estaria pensando. Agora. Respondi, contemplando o seu rosto, de modo silencioso movendo apenas os lábios, que soletraram pausadamente: e-m-v-o-c-ê.
Foram nove noites de espera, mas não sei por que, uma sensação me tomou o corpo e, como ato contínuo, talvez oriundo de desejos enigmáticos, os quais me enfraqueciam diante de sua presença, virei-me, ainda pouco hesitante, dando as costas para ela e para o homem desconhecido que, nesse momento, adoçava a sua xícara de café, e saí pela porta da cafeteria dirigindo-me ao pátio. Um pingo d'água caiu-me na testa. Olhei para o céu e pensei: provavelmente choverá.
***
às vezes, na releitura do texto, se acha chato e mal escrito, mas mesmo assim eu reinvindico a permanência da crônica.
