No mucambo se alguma cunhatã se aproximava dele para fazer festinha,Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava.
[mário de andrade]
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acabou-se a história e morreu a vitória.
Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomangolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um. Não havia ninguém lá. Aqueles lugares aqueles campos furos puxadouros arrastadouros meios-barrancos, aquêles matos misteriosos, tudo era solidão e deserto. Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera.
Nenhum conhecido sôbre a terra não sabia nem falar na fala da tribo nem contar aquêles casos tão pançudos. Quem que podia saber do herói? Agora os manos virados na sombra leprosa eram a segunda cabeça do Pai do Urubu e Macunaíma era a constelação da Ursa Maior. Ninguém jamais não podia saber tanta história bonita e a fala da tribo acabada. Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera.
Uma feita um homem foi lá. Era madrugadinha e Vei mandara as filhas visar o passe das estrêlas. O deserto tamanho matava os peixes e os passarinhos de pavor e a própria natureza desmaiara e caíra num gesto largado por aí. A mudez era tão imensa que espichava o tamanhão dos paus-no-espaço. De repente no peito doendo do homem caiu uma voz da ramaria:
- Curr-pac, papac! curr-pac, papac!...
O homem ficou frio de susto feito piá. Então veio brisando um guanumbi e o boleboliu no beiço do homem:
- Bilo, bilo, bilo, lá... tetéia!
E subiu apressado pràs árvores. O homem seguindo o vôo do guanumbi, olhou pra cima.
- Puxa rama, boi! o beija-flor se riu. E escafedeu.
Então o homem descobriu na ramaria um papagaio verde de bico dourado espiando pra êle. Falou:
- Dá o pé, papagaio.
O papagaio veio pousar na cabeça do homem e os dois se acompanheiraram. Então o pássaro principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito! que era canto e que era cachiri com mel de pau, que era boa e possuía a traição das frutas desconhecidas do mato.
A tribo se acabara, a família virara sombras, a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subira pro céu, porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dantes em que o herói fôra o grande Macunaíma imperador. E só papagaio no silêncio do Uraicoera preservava dos esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitas do herói.
Tudo êle contou pro homem e depois abriu asa rumo Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba desta fôlhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a bôca no mundo cantando na fala impura as frases e casos de Macunaíma, herói de nossa gente.
Tem mais não.
[ANDRADE, Mário de. Macunaíma (o herói sem nenhum caráter). Copyright by Livraria Martins Editôra S. A., São Paulo. 5 ed. n. 2225. p. 235-236]