26.9.09

Epílogo

No mucambo se alguma cunhatã se aproximava dele para fazer festinha,Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. [mário de andrade]

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acabou-se a história e morreu a vitória. Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomangolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um. Não havia ninguém lá. Aqueles lugares aqueles campos furos puxadouros arrastadouros meios-barrancos, aquêles matos misteriosos, tudo era solidão e deserto. Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera. Nenhum conhecido sôbre a terra não sabia nem falar na fala da tribo nem contar aquêles casos tão pançudos. Quem que podia saber do herói? Agora os manos virados na sombra leprosa eram a segunda cabeça do Pai do Urubu e Macunaíma era a constelação da Ursa Maior. Ninguém jamais não podia saber tanta história bonita e a fala da tribo acabada. Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera. Uma feita um homem foi lá. Era madrugadinha e Vei mandara as filhas visar o passe das estrêlas. O deserto tamanho matava os peixes e os passarinhos de pavor e a própria natureza desmaiara e caíra num gesto largado por aí. A mudez era tão imensa que espichava o tamanhão dos paus-no-espaço. De repente no peito doendo do homem caiu uma voz da ramaria: - Curr-pac, papac! curr-pac, papac!... O homem ficou frio de susto feito piá. Então veio brisando um guanumbi e o boleboliu no beiço do homem: - Bilo, bilo, bilo, lá... tetéia! E subiu apressado pràs árvores. O homem seguindo o vôo do guanumbi, olhou pra cima. - Puxa rama, boi! o beija-flor se riu. E escafedeu. Então o homem descobriu na ramaria um papagaio verde de bico dourado espiando pra êle. Falou: - Dá o pé, papagaio. O papagaio veio pousar na cabeça do homem e os dois se acompanheiraram. Então o pássaro principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito! que era canto e que era cachiri com mel de pau, que era boa e possuía a traição das frutas desconhecidas do mato. A tribo se acabara, a família virara sombras, a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subira pro céu, porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dantes em que o herói fôra o grande Macunaíma imperador. E só papagaio no silêncio do Uraicoera preservava dos esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitas do herói. Tudo êle contou pro homem e depois abriu asa rumo Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba desta fôlhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a bôca no mundo cantando na fala impura as frases e casos de Macunaíma, herói de nossa gente. Tem mais não.

[ANDRADE, Mário de. Macunaíma (o herói sem nenhum caráter). Copyright by Livraria Martins Editôra S. A., São Paulo. 5 ed. n. 2225. p. 235-236]